terça-feira, 8 de julho de 2008

HERMENÊUTICA - Regras de Interpretação das Sagradas Escrituras - E. LUND.


HERMENÊUTICA

REGRAS DE INTERPRETACÃO
DAS SAGRADAS ESCRITURAS

E. LUND

Traduzido por Etuvino Adiers da 7ª edição
do original castelhano:
HERMENÊUTICA - Regras de Interpretação das Sagradas Escrituras
© EDITORA VIDA, 1968
Miami, Florida 33167 – E.U.A.

[Contracapa]

E. LUND / P. C. NELSON

Dr. E. Lund, fecundo e prestigioso professor da Bíblia na língua espanhola, é conhecido no mundo evangélico e no mundo das letras por sua erudição e sua publicações. Além das línguas em que a Bíblia foi originalmente escrita, o professor Lund dominava vários idiomas modernos e vários dialetos falados no arquipélago das Filipinas. A Editora Vida tem a grata satisfação de apresentar aos seus leitores esta edição de HERMENÊUTICA, de grande necessidade entre o povo de língua portuguesa. HERMENÊUTICA por E. Lund é uma obra de grande utilidade, não somente para pastores e evangelistas, mas também para todo crente que seja um zeloso estudante da Bíblia.




ÍNDICE

Apresentação ........................................................................ 3
1. Importância de seu estudo ................................................. 4
2. Disposições necessárias para o estudo proveitoso das
Escrituras .......................................................................... 9
3. Observações gerais em relação à linguagem bíblica ...... 14
4. Regra fundamental ......................................................... 17
5. Primeira regra ................................................................. 21
6. Segunda regra ................................................................. 25
7. Terceira regra ................................................................. 29
8. Quarta regra .................................................................... 34
9. Quinta regra – 1ª parte ................................................... 40
10. Quinta regra – 2ª parte ................................................... 46
11. Quinta regra – 3ª parte ................................................... 49
12. Repetição e observações ................................................ 53
13. Figuras de retórica – 1ª parte .......................................... 56
14. Figuras de retórica – 2ª parte .......................................... 61
15. Figuras de retórica – 3ª parte .......................................... 67
16. Figuras de retórica – 4ª parte .......................................... 77
17. Hebraísmos ..................................................................... 85
18. Palavras simbólicas ........................................................ 92

APRESENTAÇÃO

Um livro como o presente é de grande necessidade nos países onde se fala a língua portuguesa. Cremos, pois, que ele vem preencher uma lacuna.

Seu autor, o Dr. Lund, pode ser considerado como o mais fecundo e prestigioso mestre de estudos bíblicos em língua portuguesa, e seu nome de há muito é conhecido pela erudição e valor de suas produções. Além das línguas em que foi escrita a Bíblia, o Dr. Lund dominava seis ou sete idiomas europeus; mais tarde, porém, havendo empreendido obra missionária nas Filipinas, cultivou vários dos idiomas e dialetos daquele arquipélago. Traduziu a Bíblia inteira para o panaiano e o Novo Testamento para os dialetos cebu e samar.

Esperamos que este livro seja uma verdadeira bênção para quantos venham a estudá-la, quer sejam pregadores e evangelistas, ou simplesmente cristãos amantes dos estudos bíblicos.
A Editora


IMPORTÂNCIA DE SEU ESTUDO

1. Uma das primeiras ciências que o pregador deve conhecer é certamente a hermenêutica. Porém, quantos pregadores há que nem de nome a conhecem! Que é, pois, a hermenêutica? "A arte de interpretar textos", responde o dicionário. Porém a hermenêutica (do grego hermenevein, interpretar), da qual nos ocuparemos, forma parte da Teologia exegética, ou seja, a que trata da reta inteligência e interpretação das Escrituras bíblicas.
2. O apóstolo Pedro admite, falando das Escrituras, que entre as do Novo Testamento "há certas cousas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras [as do Antigo], para a própria destruição deles". E para maior desgraça e calamidade, quando estes ignorantes nos conhecimentos hermenêuticos se apresentam coma doutos, torcendo as Escrituras para provar seus erros, arrastam consigo multidões à perdição.
3. Tais ignorantes, pretensos doutos, sempre se têm constituído em falsos, desde as falsos profetas da antiguidade até as papistas da era cristã, e os russelitas de hoje. E qualquer pregador que ignora esta importante ciência se encontrará muitas vezes perplexo, e cairá facilmente no erro de Balaão e na contradição de Coré. A arma principal do soldado de Cristo é a Escritura, e se desconhece seu valor e ignora seu use legítimo, que soldado será?
4. Não há livro mais perseguido pelos inimigos, nem livro mais torturado pelos amigos, que a Bíblia, devido à ignorância da sadia regra de interpretação. Isto, irmãos, não deve ser assim. Esta dádiva do céu não nos veio para que cada qual a use a seu próprio gosto, mutilando-a, tergiversando ou torcendo-a para nossa perdição.
5. Lembremo-nos de que as variadíssimas circunstâncias que concorreram para a produção do maravilhoso livro requerem do expositor que seu estudo seja demorado e sempre "conforme a ciência", conforme as princípios hermenêuticos.
a) Entre seus escritores, "os santos homens de Deus, por exemplo, que filaram sempre inspirados pelo Espírito Santo", achamos pessoas de tão variada categoria de educação, como sejam, sacerdotes, como Esdras; poetas, como Salomão; profetas, qual Isaías; guerreiros, como Davi; pastores, qual Amós; estadistas, como Daniel; sábios, como Moisés e Paulo, e "pescadores, homens sem letras", como Pedro e João. Destes, uns formulam leis, como Moisés; outros escrevem história, como Josué; este escreve salmos, como Davi; aquele provérbios, como Salomão; uns profecias, como Jeremias; outros biografias, como os evangelistas; outros cartas, coma as apóstolos.
b) Quanto ao tempo viveu Moisés 400 anos antes do cerco de Tróia e 300 anos antes de aparecerem as mais antigos sábios da Grécia e Ásia, coma Tales, Pitágoras e Confúcio, vivendo João, o último escritor bíblico, uns 1500 anos depois de Moisés.
c) Com respeito ao lugar foram escritos em pontos tão diferentes como o são o centro da Ásia, as areias da Arábia, as desertos da Judéia, os pórticos do Templo, as escolas dos profetas em Betel e Jericó, nos palácios da Babilônia, nas margens do Quebar e em meio h civilização ocidental, tomando-se as figuras, símbolos e expressões, dos usos, costumes e cenas que ofereciam tão variados tempos e lugares. Os escritores bíblicos foram plenamente inspirados, porém não de tal modo que resultasse supérfluo o mandamento de esquadrinhar as Escrituras e que se deixasse sem consideração tanta variedade de pessoas, assuntos, épocas e lugares. Estas circunstâncias, como é natural, influíram ainda que não, certamente, na verdade divina expressa na linguagem bíblica, porém na própria linguagem, de que se ocupa a hermenêutica e que tão necessário é que a compreenda o pregador, intérprete e expositor bíblico.
6. Uma breve observação geral a respeito de dita linguagem nos fará mais patente ainda a grande necessidade do conhecimento de sadia interpretação para o estudo proveitoso das Escrituras. Certos doutos, por exemplo, que têm vivido sempre "incomunicados" com respeito à linguagem bíblica, acham tal linguagem chocante ao incompatível com seu ideal imaginário de revelação divina, tudo isso pela superabundância de todo gênero de palavras e expressões figuradas e simb61icas que ocorrem nas Escrituras. Algum conhecimento de hermenêutica não só as livraria de tal dificuldade, como as persuadiria de que tal linguagem é a divina par excelência, como é a mais científica e literária.
7. Um cientista de fama costumava insistir em que seus colaboradores, na cátedra, encarnassem o invisível, porque, dizia, "tão-somente deste modo podemos conceber a existência do invisível operando sobre o visível". Porém esta idéia da ciência moderna é mais antiga que a própria Bíblia, posta que, em verdade, foi Deus o primeiro que encarnou seus pensamentos invisíveis nos objetos visíveis do Universo, revelando-se a si mesmo. "Porquanto o que de Deus se pode conhecer . . . Deus lhes manifestou; porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidas por meio das coisas que foram criadas" (Rom. 1:20).
Eis aqui, pois, o Universo visível, tomado como gigantesco dicionário divino, repleto de inumeráveis palavras que são os objetos visíveis, vivos e mortos, ativos e passives, expressões simbólicas de suas idéias invisíveis, Nada mais natural, pois, que ao inspirar as Escrituras, se valha de seu próprio dicionário, levando-nos por meio do visível ao invisível, pela encarnação do pensamento, ao próprio pensamento; pelo objetivo ao subjetivo, pelo conhecido e familiar ao desconhecido e espiritual.
8. Porém isto não só foi natural, mas absolutamente necessário em vista de nossa condição atual, porquanto as palavras exclusivamente espirituais ou abstratas, pouco ou quase nada dizem ao homem natural. Apenas há um fato relacionado com a mente e a verdade espiritual que se possa comunicar com proveito sem lançar mão da linguagem nascida de objetos visíveis. Deus tem levado em conta esta nossa condição. Não estranhemos, pois, que para elevar-nos à concepção possível do céu se valha de figuras ou semelhanças tomadas das cenas gloriosas da terra; nem de que para elevar-nos à concepção possível de sua própria pessoa, se sirva do que foi a "coroa" da criação, apresentando-se a nós como ser corporal, semelhante a nós. Folga dizer que para a correta compreensão da verdade, tanto em símbolo e figura pela necessidade humana, se requer meditação e estudo profundo.
9. Porém é preciso observar a esta altura que ditas expressões figurativas ou simbólicas não se devem meramente à natureza da verdade espiritual, à maravilhosa relação entre o invisível e o visível, mas também ao fato de que tal linguagem vem mais a propósito, par ser mais formosa e expressiva. Conduz idéias à mente com muito mais vivacidade que a descrição prosaica. Encanta e recria a imaginação, ao mesmo tempo que instrui a alma e fixa a verdade na memória, deleitando o coração. Que conceito errôneo do que é próprio abrigam os que imaginam que a Bíblia, para ser revelação divina, deveria estar escrita no estilo da aritmética ou geometria! Não tem Deus, por sua sabedoria, enlouquecido a sabedoria do mundo?
Lembremo-nos, pois, em resume, que as Escrituras, tratando de temas que abrangem o céu e a terra, o tempo e a eternidade, o visível e o invisível, o material e o espiritual, foram escritas por pessoas de tão variada natureza, e em épocas tão remotas, em países tão distantes entre si, e em meio a pessoas e costumes tão diferentes e em linguagem tão simbólica, que facilmente se compreenderá que para a reta inteligência e compreensão de tudo, nos é de suma necessidade todo o conselho e auxílio que nos possa oferecer a hermenêutica.

PERGUNTAS

1. Que é a hermenêutica?
2. Para onde conduz o ignorá-la?
3. Par que existem os falsários e heréticos?
4. Para que nos foi dada a Escritura?
5. Que circunstâncias, na produção das Escrituras, fazem necessário o estudo da hermenêutica? Por quem, sabre que, em que épocas e lugares foram escritas? De que maneira estas circunstâncias requerem conhecimentos hermenêuticos?
6. Por que razão certos doutos negam a inspiração divina da Bíblia?
7. De que maneira científica se revela o invisível? Qual é o plano e o procedimento divinos deste caso?
8. Por que foi necessário o use de linguagem figurada na Revelação, do ponto de vista humano?
9. Por que outra razão a linguagem bíblica vem mais a propósito para a humanidade?
10. Em resumo: Por que é de suma importância o conhecimento hermenêutico para a boa compreensão da Bíblia?

Estude-se a lição e aprenda-se até ao ponto de poder responder segundo as perguntas indicadas, sem auxílio do texto, escrevendo-se a resposta num caderno destinado a esse fim.

DISPOSIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O ESTUDO PROVEITOSO DAS ESCRITURAS

Assim como para apreciar devidamente a poesia se necessita possuir um sentido especial para o belo e poético, e para o estudo da filosofia é necessário um espírito filosófico, assim é da maior importância uma disposição especial para o estudo proveitoso da Sagrada Escritura. Como poderá uma pessoa irreverente, inconstante, impaciente e imprudente, estudar e interpretar devidamente um livro tão profundo e altamente espiritual como a Bíblia? Necessariamente, tal pessoa julgará o seu conteúdo como o cego as cores. Para o estudo e boa compreensão da Bíblia necessita-se, pois, pelo menos, de um espírito respeitoso e d6cil, amante da verdade, paciente no estudo e dotado de prudência.
1. Necessita-se de um espírito respeitoso porque, par exemplo, um filho desrespeitoso, instável e frívolo, que caso fará dos conselhos, avisos e palavras de seu pai? A Bíblia é a revelação do Onipotente, é o milagre permanente da soberana graça de Deus, d o código divino pelo qual seremos julgados no dia divino, é o Testamento selado com o sangue de Cristo. Porém, com tudo isso e ante tal maravilha, o homem irreverente se encontrará como o cego ante as sublimes Alpes da Suíça, ou pior ainda; talvez seja como o insensato que joga lama sabre um monumento artístico que é admirado par todo o mundo. Eis com que espírito, ao mesmo tempo reverente e humilde, contemplam a Palavra de Deus os primitivos cristãos. "Outra razão ainda temos nós – diz Paulo – para incessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavras de homens, e, sim, como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, as que credes." Receba-se assim a Escritura, com todo o respeito. E como diz o Senhor: "O homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito, e que treme da minha palavra". Estude-se em tal sentimento de humildade e reverência, e se descobrirão, como disse o Salmista, "as maravilhas da tua lei". (I Tes. 2:13; Isa. 66:2; Salmo 119:18.)
2. Necessita-se um espírito dócil para um estudo proveitoso e uma compreensão reta da Escritura, pois, que se aprenderá em qualquer estudo se falta a docilidade? A pessoa obstinada e teimosa que intenta estudar a Bíblia, lhe acontecerá o que disse Paulo do "homem natural". "Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente" (I Car. 2:14). Sacrifiquem-se, pois, as preocupações, as opiniões preconcebidas e idéias favoritas e empreenda-se o estudo no espírito de dócil discípulo e tome-se por Mestre a Cristo. Sempre deve ter-se presente que a obscuridade e aparente contradição que se passam encontrar não residem no Mestre, nem em seu infalível livro de texto, mas no pouco alcance do discípulo. "Mas, se o nosso evangelho – diz o apóstolo ainda está encoberta, é para as que se perdem que está encoberto, nos quais a deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos" (2 Cor. 4:3-4). Porém o discípulo humilde e dócil que abandona a este mestre que cega os entendimentos, adota a Cristo por Mestre, verá e entenderá a verdade, parque Deus promete "guiar as humildes na justiça, e ensinar aos mansos a seu caminha" (Salmo 25:9).
3. É preciso ser amante da verdade, porque, quem cuidará de buscar com afã e recolher o que não se aprecia e estima? De imperiosa necessidade, para a estuda da Escritura Sagrada, é um coração desejosa de conhecer a verdade. E tenha-se presente que a homem por natureza não possui tal coração, antes, pela contrário, um coração que foge da verdade espiritual e abraça com freqüência o erro. "A luz veio ao mundo, – disse Jesus de si mesmo – e os homens amaram mais as trevas do que a luz." Ainda mais, disse ele mesma que a "aborreceram" (João 3:19,20), e eis aqui por que em sua crescente cegueira passam do aborrecimento é perseguição e da perseguição à crucificação do Mestre. "Despojando-vos, portanto, de toda maldade..." – disse Pedro – "desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que por ele vos seja dada crescimento para salvação" (I Ped. 2:1,2). O que com este desejo a busca, esquadrinhando as Escrituras, também a achará. Parque ao tal "a Pai da glória, vos concede espírito de sabedoria e de revelação no plena conhecimento dele" (Ef. 1:17). Sim: "A intimidade da Senhor é para os que a temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança" (Sal. 25:14).
4. Também se deve ser paciente no estudo, pois, que vantagem leva qualquer pessoa impaciente, inconstante e mutável em qualquer trabalho que empreenda? Para tudo é necessário esta virtude. Ao dizer Jesus: "Examinai as Escrituras", se serve duma palavra que mostra a mineira que cava e revolve a terra, buscando com diligência o metal precioso, ocupado numa obra que requer paciência. As Escrituras, necessariamente, devem ser ricas em conteúdo e inesgotáveis, como as entranhas da terra. Da mesma maneira, sem dúvida, Deus propôs que em algumas partes fossem profundas e de difícil penetração. Por outra lado, o fruto da paciência é deleitoso e quanto mais paciência se tiver empregada para encontrar um tesouro, tanta mais se aprecia e tanta mais delícia produz. Leve-se, pois, ao estudo das Escrituras tanta paciência como as coisas comuns da vida. Manifeste-se, além disso, essa "nobreza" que caracterizava aos de Beréia, dos quais diz a Escritura que "eram mais nobres que as de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias" (Atos 17:11), e se verá como este trabalho leva a prêmio em si mesmo. "Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! Mais que o mel à minha boca... Admiráveis são os teus testemunhos . . . Alegra-me nas tuas promessas, como quem acha grandes despojos . . . Ama as teus mandamentos mais que o oura, mais da que a prata refinada" (Sal. 119:103, 129, 162, 127).
5. Para o estudo proveitoso das Escrituras necessita-se, ao menos, da prudência de saber iniciar a leitura pela mais simples e prosseguir para a mais difícil. É fácil descobrir que o Nova Testamento é mais simples que o Antigo, e que os evangelhos são mais simples que as cartas apostólicas. Ainda entre os evangelhos, os três primeiros são mais simples que o quarto. Principie-se, pais, o estudo pelas três primeiros. Em continuação ao terceiro pode-se ler, por exemplo, o livro de Atos, que é de mais fácil compreensão que o evangelho segundo João, cujo conteúdo é mais profundo. Numa palavra, tenha-se a prudência de saber passar do simples para o difícil a fim de tirar proveito e não deixar o livro a um lado por incompreensível, como têm feita alguns imprudentes. Podem-se resumir todas estas disposições naquele traço característico manifestado pelas discípulos de Jesus nas momentos em que não compreenderam suas palavras: Perguntaram-lhe pelo significado, pediram explicação. E lemos: "Tudo, porém, explicava em particular aos seus próprias discípulos" (Marcos 4:34). "Então lhes abriu a entendimento para compreenderem as Escrituras" (Lc. 24:45). Seu exemplo, neste caso, além de indicar as condições necessárias para o estudo proveitoso das Escrituras, oferece-nos a regra fundamental que se deve observar neste trabalho: a oração, a súplica. Nunca se deve empreender o estudo sem haver pedido ao Mestre que abra o entendimento e aclare sua Palavra.
A fonte de toda luz e sabedoria é Deus, e diz a promessa: "Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus... e ser-lhe-á concedida" (Tiago 1:5). Assim fazia Davi: "Desvenda as meus olhos, ensina-me as teus decretos, dá-me entendimento, porque medito nas teus testemunhos" (Sal. 119:18, 26, 34, 37, 99). E pôde cantar a resultado de seu proceder, dizendo: "Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar!" "Compreendo mais que todos os meus mestres." (v. 103 e 99).
Siga-se seu exemplo e será idêntico o resultado.

PERGUNTAS
1. Por que o estudo proveitoso das Escrituras requer um espírito especial? E, por que é necessário que seja respeitoso?
2. Por que se necessita de um espírito dócil para o estudo e boa compreensão da Bíblia?
3. Por que é preciso que ame a verdade o pesquisador das Escrituras e por que ficará sem fruto aquele que ama o erro?
4. Por que requer paciência o estudo proveitoso da Bíblia?
5. Por que se necessita de prudência e bom senso no estudo das Escrituras? Em que casos especiais se deve usar tal prudência ou bom senso?

Nota: Recapitule cuidadosamente esta importante lição, não só com o objetivo de responder às perguntas, mas com o mais alto fim de adquirir as disposições indicadas e necessárias para o estudo proveitoso da Palavra divina.

OBSERVAÇÕES GERAIS EM RELAÇÃO À LINGUAGEM BÍBLICA

1. Segundo o testemunho da própria Escritura Sagrada, ela foi divinamente inspirada, "útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente habilitado para toda boa obra". Em uma palavra, a Escritura tem por objetivo fazer o homem "sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2 Tim. 3:15, 16).
2. Por isso esperamos, e esperamos com razão, que a Bíblia fale com simplicidade e clareza.
3. Efetivamente, lendo, por exemplo, o Novo Testamento, encontramos a cada passo em suas páginas os grandes princípios e deveres cristãos expressos em linguagem simples e clara, evidente e palpável. Em cada página ressalta a espiritualidade e santidade de Deus, ao mesmo tempo que a espiritualidade e o fervor demandam sua adoração. Em todas as partes nos é pintada a queda e corrupção do homem e a conseqüente necessidade de arrependimento e conversão. Em todas as partes é proclamada a remissão do pecado em nome de Cristo e a salvação por seus méritos a vida eterna pela fé em Jesus, e, ao mesmo tempo, a morte eterna pela falta de fé no Salvador. A cada passo aparecem os deveres cristãos em todas as circunstâncias da vida e as promessas de ajuda do Espírito de Deus no combate contra a corrupção e o pecado. Estas verdades brilham como a luz do dia, de sorte que nem o leitor mais superficial e indiferente deixará de vê-las.
4. Porém, que sucede? O mesmo que em outros livros. No mais simples livro de escola primária, que se ocupa tão-somente de coisas terrenas, encontram-se, por exemplo, palavras e passagens que o homem não compreende sem estudos. Seria, pois, estranho encontrar palavras e passagens de difícil compreensão nas Escrituras Sagradas, que em linguagem humana tratam de coisas divinas, espirituais e eternas? Se numa província da Espanha se usam figuras ou modos de expressar-se que em outra não se compreendem sem interpretação, seria estranho encontrar tais figuras e expressões nas Escrituras, que foram escritas em países distantes e todos diferentes ao nosso? Se todo o escrito antigo oferece pontos obscuros, acaso seria estranho que os tivesse um livro inspirado por Deus a seus servos em diferentes épocas, faz já centenas e milhares de anos? Nada mais natural que contenham as Escrituras pontos obscuros, palavras e passagens que requerem estudo e cuidadosa interpretação.
5. Recordemos aqui que unicamente em tais casos de dificuldade, e não quanto ao simples e claro, precisamos dos conselhos da hermenêutica para que resulte frutífero nosso estudo e correta nossa interpretação.
6. Pois bem; suponhamos que nos vem um documento, testamento ou legado que nos interessa vivamente e que representa uma grande fortuna, porém em cujos detalhes ocorrem algumas palavras e expressões de difícil compreensão. Como e de que maneira faríamos para conseguir o verdadeiro significado de tal documento? Seguramente pediríamos, em primeiro lugar, explicação a seu autor, se isso fosse possível.
7. Porém se prometesse esclarecer-nos contanto que trabalhássemos, esquadrinhando-o nós mesmos, o mais natural e acertado seria, sem dúvida, ler e reler o documento, tomando suas palavras e frases no sentido usual e comum. Quanto às palavras obscuras buscaríamos, naturalmente, seu significado e aclaração, em primeiro lugar, pelas palavras próximas ou contíguas às obscuras, isto é, pelo conjunto da frase em que ocorrem.
8. Porém, se ainda ficássemos sem luz, procuraríamos a clareza pelo contexto, quer dizer, pelas frases anteriores e seguintes ao ponto obscuro, ou seja pelo fio ou tecido imediato a narração em que se encontra,
9. Se não bastasse o contexto, consultaríamos todo o parágrafo ou passagem, fixando-nos no objetivo, intento ou fim a que se dirige a passagem.
10. E se ainda não obtivéssemos a clareza desejada, buscaríamos luz em outras partes do documento, para ver se haveria parágrafos ou frases semelhantes, porém mais explícitas, que se ocupassem do mesmo assunto que a expressão obscura que nos causa perplexidade.
11. Em resumo, e de qualquer forma, procederíamos de maneira que o próprio documento fosse seu intérprete, já que, levando-o a este ou àquele advogado, contrariaríamos a vontade do generoso autor e, afinal, correríamos o risco de interessada e pouco escrupulosa interpretação.
Tratando-se da interpretação da Sagrada Escritura, do duplo Testamento de Nosso Senhor, o procedimento indicado, além de ser o mais natural e simples, é o mais acertado o seguro, como a seguir veremos.

PERGUNTAS
1. Qual foi o objetivo da inspiração das Escrituras?
2. Que devemos esperar com respeito à linguagem bíblica, sendo tal seu objetivo?
3. Em relação a que pontos específicos a linguagem bíblica é muito compreensível?
4. Como é que nas Escrituras há pontos obscuros que requerem cuidadoso estudo e correta interpretação?
5. Em que caso necessitamos dos conselhos da hermenêutica?
6. Como procederíamos, em primeiro lugar, para aclarar um ponto obscuro em qualquer legado que se estendesse a nosso favor?
7. Se mediante a condição de trabalho se nos oferecesse luz, como procederíamos?
8. Se pelo conjunto da frase em que ocorre a expressão obscura não encontramos a clareza desejada, que devemos fazer?
9. Se pelo contexto não conseguimos luz, que convém fazer?
10. Se não bastar a passagem inteira, que fazer?
11. Por que será necessário proceder de modo que o documento se torne seu próprio intérprete?

REGRA FUNDAMENTAL

Pelo dito anteriormente, foi-nos possível ver como é apropriado e mais conveniente, que em qualquer documento de importância em que se encontrem pontos obscuros se procure que ele seja seu próprio intérprete. Quanto à Bíblia, o procedimento sugerido não só é conveniente e muito factível, mas absolutamente necessário e indispensável.
1. O quanto sabemos, o primeiro intérprete da Palavra de Deus foi o diabo, dando à palavra divina um sentido que ela não tinha, falseando astutamente a verdade. Mais tarde, o mesmo inimigo, falseia o sentido da Palavra escrita, truncando-a, isto é, citando a parte que lhe convinha e omitindo a outra.
2. Os imitadores, conscientes e inconscientes, têm perpetuado este procedimento enganando à humanidade com falsas interpretações das Escrituras. Vítimas, pois, de tais enganos e de tão estupendos erros, que têm resultado em hecatombes e cataclismos, devemos já conhecer o suficiente dessa interpretação particular. E a ninguém deve parecer estranho que insistamos em que a primeira e fundamental regra da correta interpretação bíblica deve ser a já indicada, a saber: A Escritura explicada pela Escritura, ou seja: a Bíblia, sua própria intérprete.
3. Ignorando ou violando este princípio simples e racional, temos encontrado, como dissemos, aparente apoio nas Escrituras a muitos e funestos erros. Fixando-se em palavras e versículos arrancados de seu conjunto e não permitindo à Escritura explicar-se a si mesma, encontraram os judeus aparente apoio nela para rejeitar a Cristo. Procedendo do mesmo modo, encontram os papistas aparente apoio na Bíblia para o erro do papado e das matanças com ele relacionadas, para não falar da Santa Inquisição e outros erros do mesmo estilo. Atuando assim, acham aparente apoio os espíritas para sua errônea encarnação; os comunistas, para sua repartição dos bens; os incrédulos zombadores, para as contradições; os russelitas para seus erros blasfemos. e, finalmente, os Wilson e Roosevelt, ara seu militarismo. Se tivessem a sensatez de permitir h Bíblia que se explicasse a si mesma, evitariam erros funestos.
4. Graças ao abuso apontado ouvimos dizer que com a Bíblia se prova o que se quer. A má vontade, a incredulidade, a preguiça em seu estudo; o apego a idéias falsas e mundanas, e a ignorância de toda regra de interpretação, provará o que se queira com a Bíblia; porém jamais provará a Bíblia o que os homens tão mal dispostos querem. Tampouco provará nenhum douto de verdade, nem crentes humildes, qualquer coisa com a Escritura.
5. Ao contrário, porque o discípulo humilde e douto na Palavra sabe que "a lei do Senhor é perfeita" e que não há erro na Palavra, mas no homem, ele sabe que não se tira e se põe, ou se acrescenta e se suprime impunemente à Palavra, segundo o estilo satânico, porquanto Deus, mediante seu servo, fez constar: "Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida." Não, certamente a revelação divina, qual Lei perfeita, "é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra"; tal revelação, dissemos, não se presta impunemente a tal abuso.
6. Em vista de tais afirmativas e destas e outras restrições, é evidente que carece absolutamente de sanção divina a interpretação particular do papismo que concede autoridade superior à Palavra mesma, à interpretação dos "pais" da Igreja docente ou da infalibilidade papal, como carece também de dita sanção a idéia da interpretação individual do protestantismo. "Nenhuma profecia da Escritura provam de particular elucidação", disse Pedro; e Jesus nos exorta a examinar as Escrituras para achar a verdade, e não a interpretar as Escrituras para estabelecer a verdade a nosso arbítrio.
7. Nada de estranho tem, pois, que nos eminentes escritores da antiguidade encontremos afirmações como estas: As Escrituras são seu melhor intérprete. Compreenderás a Palavra de Deus melhor que de outro modo, comparando uma parte com outra, comparando o espiritual com o espiritual (1 Cor. 2:13). O que equivale a usar a Escritura de tal modo que venha a ser ela seu próprio intérprete.
8. Se por uma parte, arrancando versículos de seu conjunto e citando frases soltas em apoio de idéias preconcebidas, é possível construir doutrinas chamadas bíblicas, que não são ensinos das Escrituras, mas antes "doutrinas de demônios"; por outra parte, explicando a Escritura pela Escritura, usando a Bíblia como intérprete de si mesma, não só se adquire o verdadeiro sentido das palavras e textos determinados, mas também a certeza de todas as doutrinas cristãs, quanto à fé e à moral. Tenha-se sempre presente que não se pode considerar de todo bíblica uma doutrina antes de resumir e encerrar tudo quanto a Escritura diz da mesma. Um dever tampouco é de todo bíblico se não abarca e resume todos os ensinos, prescrições e reservas que contam a Palavra de Deus em relação ao mesmo. Aqui cabe bem a lei: "Não se pronuncia sentença antes de haver ouvido as partes." Porém cometem o delito de falhar antes de haver examinado as partes todos aqueles que estabelecem doutrinas sobre palavras ou versículos extraídos do conjunto, sem permitir à Escritura explicar-se a si mesma. Igual falta cometem os que do mesmo modo procedem e falam de contradições e ensinos imorais.
Por conseguinte, é de suma necessidade observar a referida regra das regras, a saber: A Bíblia é seu próprio intérprete, se não quisermos incorrer em erros e atrair sobre nós a maldição que a própria Escritura pronuncia contra os falsificadores da Palavra. Dissemos "regra das regras", porque desta, que é fundamental, se desprendem outras várias que, como veremos, dela nascem naturalmente.

PERGUNTAS
1. Quem foi o primeiro intérprete da Palavra de Deus e quais as suas astúcias?
2. Qual deve ser a regra fundamental na interpretação da Bíblia e por quê?
3. Quais os males que resultaram de não interpretar as Escrituras por si mesmas?
4. Quem prova o que quer com a Bíblia?
5. Por que não se pode provar o que se quer com a Bíblia?
6. Como se deve considerar a interpretação particular ou individual papista ou protestante?
7. Que princípio de interpretação recomendavam eminentes escritores da antiguidade?
8. O que se requer para que seja positivamente bíblica esta ou aquela doutrina ou declaração?
9. Que princípio fundamental deve servir-nos de base em todo o estudo bíblico?


PRIMEIRA REGRA

1. Como já dissemos, os escritores das Sagradas Escrituras escreveram, naturalmente, com o objetivo de se fazerem compreender. E, por conseguinte, deveriam valer-se de palavras conhecidas e deveriam usá-las no sentido que geralmente tinham. Averiguar e determinar qual seja este sentido usual e ordinário deve constituir, portanto, o primeiro cuidado na interpretação ou correta compreensão das Escrituras.
2. Será preciso repetir aqui, para maior aproveitamento, além do auxílio divino, que em tal averiguação há modos de proceder que nenhum leitor da Bíblia deve ignorar, sendo sempre necessário ter em conta o princípio fundamental que o Livro há de ser seu próprio intérprete, de cujo princípio se deduzem outros, que chamamos regras ou pautas de interpretação.
3. Destas diz assim a primeira: É preciso, o quanto seja possível, tomar as palavras em seu sentido usual e comum.
4. Regra sumamente natural e simples, porém da maior importância. Pois, ignorando ou violando-a, em muitas partes da Escritura não terá outro sentido que aquele que queira conceder-lhe o capricho humano. Por exemplo, houve quem imaginasse que as ovelhas e os bois que menciona o Salmo 8 eram os crentes, enquanto as aves e os peixes eram os incrédulos, donde se concluía, em conseqüência, que todos os homens, queiram ou não, estão submetidos ao poder de Cristo. Se tivesse sido levado em conta o sentido usual e comum das palavras, não teria caído em semelhante erro.
5. Porém, tenha-se sempre presente que o sentido usual e comum não equivale sempre ao sentido literal. Em outras palavras, o dever de tomar as palavras e frases em seu sentido comum e natural não significa que sempre devem tornar-se ao "pé da letra". Como se sabe, cada idioma tem seus modos próprios e peculiares de expressão, e tão singulares, que se for traduzido ao pé da letra, perde-se ou é destruído completamente o sentido real e verdadeiro. Esta circunstância se deve, talvez, ter mais presente ao tratar-se da linguagem das Escrituras, do que de outro livro qualquer, por estar sumamente cheio de tais modos e expressões próprias e peculiares.
Os escritores sagrados não se dirigem a certa classe de pessoas privilegiadas, mas ao povo em geral; e, por conseguinte, não se servem de uma linguagem científica ou seca, mas figurada e popular. A estas circunstâncias se devem a liberdade, variedade e vigor que observamos em sua linguagem. A elas se deve seu abundante uso de toda ordem de figuras retóricas, símiles, parábolas o expressões simbólicas. Além do citado, ocorrem muitas expressões peculiares do idioma hebreu, chamadas hebraísmos. Precisamos ter isso tudo presente para podermos determinar qual seja o verdadeiro sentido usual e comum das palavras e frases.
Exemplos: 1. Em Gênesis 6:12, lemos: "Porque toda carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra" (versão revista e corrigida). Tomando aqui as palavras carne e caminho em sentido literal, o texto perde o significado por completo. Porém tomando em seu sentido comum, usando-se como figuras, isto é, carne em sentido de pessoa e caminho no sentido de costumes, modo de proceder ou religião, já não só tem significado, mas um significado terminante, dizendo-nos que toda pessoa havia corrompido seus costumes; a mesma verdade que nos declara Paulo, sem figura, dizendo; "Não há quem faça o bem" (Rom. 3:12).
2. Pergunta Jesus: "Qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la?" Neste versículo, tomado ao pé da letra, embora nos apresente uma pergunta interessante, estamos longe de compreender a verdade que encerra. Porém, sabendo que contam uma parábola, cujas partes principais e figuradas requerem interpretação e designam realidades correspondentes às figuras, não vemos aqui já agora uma pergunta interessante, mas uma mulher que representa a Cristo; um trabalho diligente que representa um trabalho semelhante que Cristo está levando a cabo; e uma moeda perdida representa o homem perdido no pecado; tudo isto expondo e ilustrando admiravelmente a mesma verdade que expressa Cristo sem parábola, dizendo: "Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido" (Luc. 19:10).
3. Profetizando a respeito de Jesus, disse Zacarias (Luc. 1:69) "e nos suscitou plena e poderosa salvação na casa de Davi". Dificilmente extrairemos daqui alguma coisa clara se tomarmos a palavra casa em sentido literal. Porém, sabendo que, como símbolo e figura, casa ordinariamente significa família ou descendência, já não estamos às escuras: aí se nos diz que Deus levantou uma poderosa salvação entre os descendentes de Davi, como também disse Pedro: "Deus, porém . . . o exaltou (a Cristo) a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados" (Atos 5:31).
4. Disse Jesus (Luc. 14:26): "Se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe . . . não pode ser meu discípulo"; ora, tomado ao pé da letra, isso constitui uma contradição ao preceito de amar até aos inimigos. Porém, lembrando-nos do hebraísmo, pelo qual se expressam às vezes as comparações e preferências entre duas pessoas ou coisas, com palavras tão enérgicas como amar e aborrecer, já não só desaparece a contradição, mas compreendemos o verdadeiro sentido do texto, sentido que sem hebraísmo Jesus mesmo o expressa, dizendo: "Quem ama seu pai e sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim" (Mat. 10:37).
Pelos exemplos citados pode-se compreender a grande necessidade de nos familiarizarmos com as figuras e modos próprios e peculiares da linguagem bíblica. Esta familiaridade se adquire, desde logo, por um estudo da própria Escritura. Porém, para consegui-la com maior brevidade, conviria ter um breve tratado especial.

PERGUNTAS
1. Qual deve ser o primeiro cuidado na correta interpretação das Escrituras?
2. Qual o princípio fundamental que se deve ter sempre presente na interpretação?
3. Qual é a primeira regra que se deduz da "regra das regras"?
4. Por que é tão importante esta regra?
5. Que diferença há entre o sentido usual ou comum e o sentido literal, e por que não se devem tomar sempre as palavras em seu sentido literal?
6. Por que foi escrita a Bíblia em linguagem popular e figurada e não em linguagem científica?
Exemplos: De que trata o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto? – Que são hebraísmos? – Como se adquire a familiaridade necessária para distinguir entre linguagem literal e figurada?

SEGUNDA REGRA

1. Na linguagem bíblica, como em outra qualquer, existem palavras que variam muito em seu significado, segundo o sentido da frase ou argumento em que ocorrem. Importa, pois, averiguar e determinar sempre qual seja o pensamento especial que o escritor se propõe expressar, e assim, tomando por guia este pensamento, poder-se-á determinar o sentido positivo da palavra que apresenta dificuldade.
2. É, pois tão natural quanto importante o que chamamos a segunda regra, e diz: É de todo necessário tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase.
3. Dos exemplos que oferecemos a seguir, ver-se-á como varia, segundo a frase, texto ou versículo, o significado de algumas palavras muito importantes, acentuando assim a importância desta regra.
Exemplos: 1. Fé: A palavra fé, ordinariamente significa confiança; mas também tem outras acepções. Lemos de Paulo, por exemplo: "Agora prega a fé que outrora procurava destruir" (Gál. 1:23). Do conjunto desta frase vimos claramente que a fé, aqui, significa crença, ou seja, a doutrina do Evangelho.
"Mas aquele que tem dúvidas, é condenado, se comer, porque o que faz não provem de fé; e tudo o que não provam de fé é pecado" (Rom. 14:23). Pelo conjunto do versículo, e tudo considerado, verificamos que a palavra aqui ocorre no sentido de convicção; convicção do dever cristão para com os irmãos.
2. Salvação, Salvar: Estas palavras são usadas freqüentemente no sentido de salvação do pecado com suas conseqüências; têm, porém, outros significados. Lemos, por exemplo, que "Moisés cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus os queria salvar, por intermédio dele" (Atos 7:25). Guiados pelo conjunto do versículo, compreendemos que aqui ocorre a palavra salvar no sentido de liberdade temporal.
"A nossa salvação está agora mais perto do que quando no princípio cremos" (Rom. 13:11). Salvação aqui equivale à vinda de Cristo.
"Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?" (Heb. 2:3). Considerando o conjunto, salvação aqui quer dizer toda a revelação do Evangelho.
3. Graça: O significado comum da palavra graça é favor; porém se usa também em outros sentidos. Lemos, por exemplo: "Pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus", etc. (Ef. 2:8). Pelo conjunto deste versículo se vê claramente que graça significa a pura misericórdia e bondade de Deus manifestadas aos crentes sem mérito nenhum da parte deles.
"Falando ousadamente no Senhor, o qual confirmava a palavra da sua graça" (Atos 14:3) significando, a pregação do Evangelho.
"Esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo" (1 Ped. 1:13). O conjunto nos diz aqui que a graça equivale à bem-aventurança que trará em sua vinda.
"A graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens" (Tito 2:11). A graça aqui se usa no sentido do ensino do Evangelho.
"O que vale é estar o coração confirmado com graça, e não com alimentos" (Heb. 13:9). Considerando todo o conjunto, graça, neste texto, equivale às doutrinas do Evangelho, em oposição às que tratam de alimentos relacionados com as práticas judaicas.
4. Carne: "E vos darei coração de carne" (Ez. 36:26), isto é, uma disposição terna e dócil.
"Andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne" (Ef. 2:3), significa, nossos desejos sensuais.
"Aquele que foi manifestado na carne" (1 Tim. 3:16), a saber em forma humana.
"Tendo começado no Espírito, estejais agora vos aperfeiçoando na carne?" (Gil. 3:3), quer dizer, por observar cerimônias judaicas, como a circuncisão, que se faz na carne.
5. Sangue: Falando de crucificar a Cristo, disseram os judeus: "Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos!" (Mat. 27:25). Guiados por nossa regra vimos que sangue, aqui, ocorre no sentido de culpa e suas conseqüências, por matar um inocente.
"Temos a redenção, pelo seu sangue" (Ef. 1:7); "Sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira" (Rom. 5:9). O conjunto das frases torna evidente que a palavra sangue equivale à morte expiatória de Cristo na cruz.
6. Como facilmente se compreende, esta regra tem importância especial quando se trata de determinar se as palavras devem ser tomadas no sentido literal ou figurado. Para não incorrer em erros, é de grande importância, neste caso também, deixar-se guiar pelo pensamento do escritor e tomar as palavras no sentido que o conjunto do versículo indica.
Exemplos: 1. "Tomou Jesus um pão, e abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo" (Mat. 26:26). Guiados pelo conjunto deste versículo, torna-se evidente que a palavra corpo aqui não se usa no sentido literal, mas figurado; porquanto Jesus partiu pão e não seu próprio corpo, e porquanto ele mesmo, santo e inteiro, lhes deu o pão, e não parte de sua carne. Usa, pois, Jesus, a palavra em sentido simbólico, dando-lhes a compreender que o pão representa seu corpo.
2. Diz Cristo a Pedro: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus" (Mat. 16:19). Pelo conjunto desta frase vemos claramente que chaves não se usa no sentido literal ou material, posto que o reino dos céus não é um lugar terreno onde se penetra mediante chaves materiais. Deve-se, pois, tomar em sentido figurado, simbolizando as chaves, autoridade; a autoridade de ligar e desligar ou perdoar e reter pecados, que em outra ocasião também deu aos demais discípulos (Jo. 20:23; veja Mat. 18:18).
Poder-se-iam multiplicar exemplos como estes, porém bastam os já mencionados, para termos uma idéia do uso desta regra e da grande necessidade de ler com atenção as Escrituras.


PERGUNTAS
1. Se não se usam as palavras no mesmo sentido, como sabemos em cada caso qual seja o verdadeiro significado?
2. Como diz a regra que deve ser observada no caso em que as palavras variam de sentido?
3. Como, por exemplo, varia o sentido de palavra "fé"?
a) Como varia o significado da palavra "salvação"?
b) Em que sentido se usa a palavra "graça"?
c) Quais são os diferentes significados da palavra "carne?
d) Como varia o significado da palavra "sangue"?
4. Quando é que esta regra tem importância especial?
a) Por que não se pode tomar no sentido literal a palavra "corpo" em Mat. 26:26?
b) Por que se deve compreender em sentido figurado a palavra "chaves" em Mat. 16:19?


TERCEIRA REGRA

1. A terceira diz: É necessário tomar as palavras no sentido indicado no contexto, a saber, os versículos que precedem e seguem ao texto que se estuda.
2. Às vezes sucede que não basta o conjunto de uma frase para determinar qual é o verdadeiro significado de certas palavras. Portanto, e em tal caso, devemos começar mais acima a leitura e continuá-la até mais abaixo, para levar em conta o que precede a segue à expressão obscura e, procedendo assim, encontrar-se-á clareza no contexto por diferentes circunstâncias.
Exemplos: 1. No contexto achamos expressões, versículos ou exemplos que nos esclarecem e definem o significado da palavra obscura. Ao dizer Paulo: "quando lerdes, podeis compreender o meu discernimento no mistério de Cristo" (Ef. 3:4), ficamos um tanto indecisos com respeito ao verdadeiro significado da palavra mistério. Porém, pelos versículos anteriores e posteriores, verificamos que a palavra mistério se aplica aqui à participação dos gentios nos benefícios do Evangelho. Encontra-se a mesma palavra em sentido diferente em outras passagens, sendo necessário, em cada caso, o contexto para determinar o significado exato.
"Quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo" (Gál. 4:3, 9-11). Que são os rudimentos do mundo? O que vem depois da palavra nos explica que são práticas de costumes judaicos.
Este vocábulo também é usado noutro sentido, determinando o contexto sua correta interpretação.
2. Às vezes encontra-se uma palavra obscura aclarada no contexto por sinônimo ou ainda por palavra oposta e contrária à obscura. Assim que, por exemplo, a palavra "aliança" (Gál. 3:17), se explica pelo vocábulo promessa que aparece no final do mesmo versículo. Assim também acham sua explicação as palavras difíceis, "radicados e edificados" pela expressão "confirmados na fé" que vem logo em seguida às mesmas (Col. 2:7).
"O salário do pecado é a morte", diz o apóstolo Paulo. O sentido profundo desta expressão faz ressaltar de uma maneira viva a expressão oposta que a segue: "mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna" (Rom. 6:23). Outro tanto sucede em relação à fé, quando João diz: "quem crê no Filho tem a vida eterna", pintando ao vivo a palavra crer pela expressão oposta: "o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus" (Jo. 3:36).
3. Às vezes, uma palavra que expressa uma idéia geral e absoluta, deve ser tomada num sentido restritivo, segundo determine alguma circunstância especial do contexto, ou melhor, o conjunto das declarações das Escrituras em assuntos de doutrina. Quando Davi por exemplo, exclama: "Julga-me, Senhor, segundo a minha retidão, e segundo a integridade que há em mim", o contexto nos faz compreender que Davi só proclama sua retidão e integridade em oposição às calúnias que Cuxe, o benjamita, levantara contra ele (Sal. 7:8).
Tratando-se do administrador infiel temos indicada sua conduta como digna de imitação; porém, pelo contexto vemos limitado o exemplo à prudência do administrador, com exclusão total de seu procedimento desonesto (Luc. 16:1-133).
Falando Jesus do cego de nascimento, disse: "Nem ele pecou, nem seus pais", com o que de nenhum modo afirma Jesus que não houvessem pecado; pois existe no contexto uma circunstância que limita o sentido da frase a que não haviam pecado para que sofresse de cegueira como conseqüência, segundo erroneamente pensavam os discípulos. (Jo. 9:3).
Ao ordenar Tiago no cap. 5:14, que o enfermo "chame os presbíteros da igreja, e estes farão oração sobre ele, ungindo-o com óleo", entendemos pelo contexto que se trata da cura do corpo e não da saúde da alma, como pretendem os romanistas que, deixando de lado o contexto, como de costume, imaginam encontrar aqui apoio para a extrema-unção.
Advertências. Tratando-se do contexto, é preciso advertir que às vezes se rompe o fio do argumento ou narração por um parênteses mais ou menos longo, depois do qual volta ao assunto. Se o parênteses é curto, não há dificuldade; porém se é longo, como sucede seguidamente nas epístolas de Paulo, requer particular atenção.
Em Efésios 3, por exemplo, encontramos um parênteses que vai desde o verso 2 até o último, reatando o fio do assunto no primeiro versículo do cap. 4. Vejam-se outros exemplos em Filip. 1:27 até 2:16; Rom. 2:13 até 16; Efés. 2:14 até 18, etc., e note-se que a palavra porque aqui, em lugar de introduzir, como de costume, uma razão determinada do por quê de alguma cousa, serve para introduzir um parênteses.
Por outra parte, devemos recordar que os originais das Escrituras não têm a divisão em capítulos e versículos; assim é que o contexto não se encontra sempre dentro dos limites do capítulo que meditamos, nem tampouco acaba sempre o fio de um argumento ou de uma narração com o fim do capítulo. É preciso ter isso em conta.
4. Por último, não se esqueça que, às vezes, tão-somente pelo contexto se pode determinar se uma expressão deve ser tomada ao pé da letra ou em sentido figurado.
Chamando Jesus ao vinho sangue da aliança, compreendemos pelo contexto que a palavra sangue deve ser tomada em sentido figurado, desde o momento que Jesus, no dito contexto, volta a chamar ao vinho de fruto da videira, embora o tivesse abençoado. Daí vemos, além disso, que não vem de Jesus o ensino da transformação do vinho em sangue verdadeiro de Cristo, como pretendem os que fazem caso omisso do contexto, torcendo as Escrituras para sua perdição. (Mat. 26:27, 29.) Havendo dito Jesus: "Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna" e "minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida", etc., os discípulos ficaram assombrados e começaram a murmurar; dessa circunstância devemos esperar no contexto alguma explicação, se devemos tomar em sentido material ou espiritual estas declarações. Efetivamente lemos: "O espírito (o sentido espiritual das palavras ditas) é o que vivifica; a carne (o sentido carnal) para nada aproveita." Comer a carne e beber o sangue equivale, pois, a apropriar-se pela fé do sacrifício de Cristo na cruz, do que, como se sabe, resulta a vida eterna do crente. (Jo. 6:48-63.)
Falando Paulo de edificar, "se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha", vemos pelo contexto que fala do próprio Cristo como o fundamento do edifício, devendo-se tomar estas palavras no sentido espiritual, representando, sem dúvida, doutrinas legítimas e falsas com suas conseqüências. (1 Cor. 3:12.)
A expressão: "Será salvo, todavia, como que através do fogo", explica-se a si mesma pelo contexto, o qual nos ensina que não se trata de salvar uma alma qualquer, mas a servos de Deus, e que não é fogo que se atiça em suas pessoas, mas em sua infortunada construção de material, qual feno e palha; além disso, que não é um fogo purificador, mas destruidor, a saber, o fogo do escrutínio rigoroso no dia da manifestação de Cristo; estes "cooperadores de Deus" salvar-se-ão, pois, no sentido de um construtor que, na catástrofe do incêndio do edifício que está levantando, pode escapar, sim, porém perdendo tudo, exceto a vida. O que significa a mesma expressão, dizendo: "será salvo", não mediante a permanência no fogo, mas "como que através do fogo". Só os cegos ao contexto podem sonhar com o purgatório nesta passagem. (1 Cor. 3:5-15.)
Dizendo Paulo que a união entre Cristo e a Igreja é tão intima, que somos membros de seu corpo, de sua carne e de seus ossos, e que deve reinar união tão estreita como entre marido e esposa, continua: "Grande é este mistério." Que mistério? O contexto o explica em continuação: "mas eu me refiro a Cristo e à igreja" (Efés. 5:32). A união íntima entre Cristo e sua Igreja é, pois, o mistério, e não a união entre marido e mulher, que, por certo, não é nenhum mistério. Porém, os romanistas não só fazem um arranjo com o contexto, mas ainda traduzem a expressão assim: "Grande é este sacramento", acrescentando em nota explicativa que "a união do marido com a mulher é um grande sacramento"! Deste modo, traduzindo mal e interpretando pior, encontram aqui o fundamento para o que chamam "o sacramento do matrimônio".
O que acima foi dito basta para compreender a necessidade de ter em conta o contexto a fim de decidir se determinadas expressões devem ser tomadas ao pé da letra ou em sentido figurado.

PERGUNTAS
1. Qual é a terceira regra?
2. Que se entende por contexto?
3. Para que e de quantas maneiras é útil o contexto? Que há no contexto que aclara expressões obscuras? Cite exemplos.
4. Que exemplos temos da aclaração de palavras obscuras por palavras semelhantes ou opostas às obscuras?
5. Como é que o contexto nos ajuda em certas expressões de idéias absolutas? Cite exemplos.
6. Que devemos ter presente em relação ao contexto e aos parênteses?
7. De que serve o contexto em relação às expressões literais ou figuradas? Apresente exemplos.

Advertimos novamente que para proveito positivo é preciso estudar as lições até ao ponto de poder escrever as respostas às perguntas sem fazer uso do texto.


QUARTA REGRA

A quarta regra de interpretação diz:
1. É preciso tomar em consideração o objetivo ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras. Esta regra, como se vê, não é mais do que a ampliação das anteriores em caso de não oferecer suficiente luz, nem o conjunto da frase, nem o contexto, para remover a dificuldade e dissipar toda dúvida.
2. O objetivo ou desígnio de um livro ou passagem se adquire, sobretudo, lendo-o e estudando-o com atenção e repetidas vezes, tendo em conta em que ocasião e a que pessoas originalmente foi escrito. Em outros casos consta o desígnio no livro ou passagem mesmo, como por exemplo, o de toda a Bíblia, em Rom. 15:4; 2 Tim. 3:16, 17; o dos Evangelhos, em João 20:31; o de 2 Pedro no cap. 3:2, e o de Provérbios no capitulo 1:1, 4.
3. O desígnio alcançado pelo estudo diligente nos oferece auxílio admirável para a explicação de pontos obscuros, para a aclaração de textos que parecem contradit6rios e para conseguir um conhecimento mais profundo de passagens em si claras.
4. Exemplos: 1° – É evidente que as cartas aos Gálatas e aos Colossenses foram escritas na ocasião dos erros que, com grande dano, os judaizantes ou "falsos mestres" procuravam implantar nas igrejas apostólicas. Por conseguinte, estas cartas têm por desígnio expor com toda clareza a salvação pela morte expiat6ria de Cristo, contrariamente aos ensinos dos judaizantes, que pregavam as obras, a observância de dias e cerimônias judaicas, a disciplina do corpo e a falsa filosofia. A cada passo encontraremos luz no estudo destas cartas para a melhor compreensão de passagens, embora claras, em si mesmas, se temos esse desígnio sempre presente. Leremos ao mesmo tempo com mais entendimento, por exemplo, os Salmos 3, 18, 34 e 51, levando-se em conta em que ocasião foram escritos, coisa que consta em seu respectivo encabeçamento. Outro tanto dizemos dos Salmos 120 até 134, intitulados "Cântico dos degraus", se tivermos presente que foram escritos para serem cantados pelos judeus em suas viagens anuais a Jerusalém.
5. 2° – Eis aqui a luz que oferece o desígnio para a aplicação de um ponto obscuro, desígnio adquirido tendo em conta a condição de uma pessoa à qual se dirige Jesus. Ao perguntar-lhe um Príncipe, cegado por justiça própria, que bem deveria fazer para obter a vida eterna (Mat. 19:16; Luc. 18:18) e Jesus lhe responde: "Guarda os mandamentos", quererá ensinar-lhe com esta resposta que o meio de salvação é a observância do Decálogo? Certamente que não, desde o momento que Jesus mesmo e as Escrituras em todas as partes ensinam que a vida eterna se adquire unicamente pela fé no Salvador. Como explicar, pois, que Jesus lhe desse tal resposta? Tudo fica claro e desaparece toda a dúvida, se tivermos em conta com que desígnio Jesus lhe fala. Pois, evidentemente, seu objetivo foi valer-se da mesma lei e do mandamento novo de "vender tudo" o que possuía para tirar o pobre cego de sua ilusão e levá-lo ao conhecimento de suas faltas para com a lei divina e à conseqüente humilhação, o que também conseguiu, fazendo-o compreender que não passava de um pobre idólatra de suas riquezas, que nem mesmo o primeiro mandamento da lei havia cumprido. O desígnio de Jesus, neste caso, foi o de usar a lei qual "aio", como disse o Apóstolo, para conduzir o pecador à verdadeira fonte de salvação, porém não como meio de salvação, e eis aqui por que lhe indica os mandamentos.
6. 3° – Vejamos como, tendo em consideração o desígnio, desaparecem as aparentes contradições. Quando Paulo disse que o homem é justificado (declarado sem culpa) pela fé sem as obras, enquanto Tiago afirma que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé, desaparece a aparente contração desde o momento que tomemos em conta o desígnio diferente que levam as cartas de um e de outro. (Rom. 3:28 e Tiago 2:24). Paulo combate e refuta o erro dos que confiavam nas obras da lei mosaica como meio da justificação, rechaçando a fé em Cristo; Tiago combate o erro de alguns desordenados que se contentavam com uma fé imaginária, descuidando e rechaçando as boas obras. Daí que Paulo trata da justificação pessoal diante de Deus, enquanto Tiago se ocupa da justificação pelas obras diante dos homens. O ser justificado (declarado sem culpa) o homem criminoso à vista de Deus, realiza-se tão-somente pela fé no sacrifício de Cristo pelo pecado e sem as obras da lei; porém o ser justificado (declarado sem culpa) à vista do mundo, ou da igreja, realiza-se mediante obras palpáveis e "não somente pela fé" que é invisível. "Mostra-me a tua fé pelas tuas obras", tal d o tom e a exigência da carta de Tiago; tal a exigência, também, das cartas de Paulo. Vemos, pois, que as pessoas são justificadas diante de Deus mediante a fé, porém, nossa fé é justificada diante dos homens mediante as obras. Daí compreendermos que concordam perfeitamente as doutrinas dos apóstolos.
7. Lemos em 1 João 3:9: "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado... esse não pode viver pecando." Quererá o apóstolo aqui dizer que o cristão é absolutamente incapaz de cometer uma falta? Não, porque o próprio objetivo de sua carta é o de prevenir para que não pequem, com o que está admitida a possibilidade de poder cair em falta. Como, pois, compreender que os nascidos de Deus não podem pecar? Neste caso também nos apresenta luz a consideração detida do desígnio da carta. Pelas Escrituras vemos que nos fins do século apostólico existiam certos pretensos cristãos enganados que criam poder praticar toda sorte de excessos carnais, sem respeitar lei alguma. Um dos desígnios da carta é, evidentemente, prevenir os filhos de Deus contra esse mau tipo de crenças. Diz João que, contrariamente a esses "filhos do diabo" que por natureza cometem pecado, os "filhos de Deus" não podem viver pecando. Cada um se ocupa nas obras do pai: os filhos de Deus se ocupam em manifestar seu amor a Deus, guardando seus mandamentos (5:2); os filhos do diabo se ocupam em imitar a seu pai, que está pecando desde o princípio.
Uns praticam o pecado, os outros não o praticam desde o momento em que nasceram de Deus. Opondo-se a esses dissolutos filhos do diabo, que acreditavam poder pecar e naturalmente com gosto pecavam, afirma João que os nascidos de Deus, pelo contrário, tendo repugnância e ódio ao pecado, não podem pecar; significa, não podem praticar o pecado, ou continuar pecando, como indica o texto original. Pela razão de haverem nascido de Deus, e aspirando, como aspiram, à perfeição moral completa, é contra sua nova natureza praticar o pecado: não podem continuar pecando; o que supostamente não impede que sejam exortados a guardar-se do mal, desde o momento que não estão fora da possibilidade de pecar.
8. Outro caso de aparente contradição, que também aclara o desígnio dos escritos correspondentes, encontramos nas cartas de Paulo. Na que dirige aos Gálatas (4:10, 11), ele se opõe à observância dos dias de festas judaicas, e na dirigida aos Romanos (14:5, 6) não faz uma oposição definitiva a tal observância. Como explicar esta diferença? Simplesmente porque o objetivo geral da Carta aos Gálatas era de resistir às doutrinas dos falsos mestres que haviam desviado aos Gálatas. Esses mestres lhes haviam ensinado que para a salvação, além de certa fé no Cristianismo, era preciso guardar as práticas judaicas do Antigo Testamento, com o que em realidade atacam o fundamento da justificação pela fé, tornando nulo o sacrifício de Jesus Cristo na cruz. Do grave perigo em que haviam ido parar, queixa-se amargamente o apóstolo, e nada há de estranho em que se opusesse com firmeza a essas observâncias judaicas que obscureciam o glorioso Salvador e ameaçavam arruinar o trabalho apostólico entre eles. Muito diferente é o caso que o apóstolo trata em sua carta aos Romanos (Rom. 15:1-13). A passagem em que isso ocorre tem por objetivo estabelecer a paz perturbada entre um grupo de irmãos fracos convertidos do Judaísmo que criticavam os crentes mais firmes, os quais, por sua vez, desprezavam os fracos. Estes irmãos débeis, que se haviam imposto não comer carne nem beber vinho e que guardavam as festas judaicas, não se encontravam no grave perigo dos gálatas. Assim é que o apóstolo menciona que uns consideram todos os dias iguais, enquanto outros observam certo dia com preferência a outro, afirmando que estes o fazem assim para o Senhor, sem opor-se direta e definitivamente a isso. Porém, considerando o repetido encargo, que ato contínuo lhe dirige, de estarem "seguros em seu ânimo", isto é, de submeter a sério exame a coisa até não haver lugar para dúvida com respeito ao correto proceder que ambas as partes nos assuntos divergentes deviam observar, e considerando além disso que seu desejo e desígnio eram que os antagonistas chegassem a um mesmo parecer (15:5, 6), para que cessassem as discórdias e se restabelecesse a paz. É evidente que o apóstolo induz os fracos a avançar em seu critério, até ao ponto de abandonar a observância das festas judaicas. Ainda aqui, pois se bem que indiretamente, o apóstolo se pronuncia contra o costume antigo destinado a desaparecer, como toda coisa velha que haja cumprido sua missão. Assim é que, em vista dos diferentes desígnios dos referidos escritos, encontramos completa harmonia onde à primeira vista parece haver divergência.
Poder-se-iam citar outros exemplos da mesma natureza, porém cremos suficientes os já referidos para evidenciar a importância de consultar, em caso de necessidade, o desígnio dos livros ou passagens para conseguir a correta compreensão das expressões obscuras e ainda das que em si são claras.

PERGUNTAS
1. Qual é a 4ª regra que convém ter presente na interpretação das passagens obscuras?
2. Como se consegue o desígnio ou objetivo de um livro ou Passagem? Qual é o desígnio da Bíblia, dos Evangelhos e dos Provérbios?
3. Que auxílio nos oferece o desígnio de um livro ou uma passagem na interpretação?
4. Com que motivo e conseqüente desígnio se escreveram as cartas aos Gálatas e aos Colossenses?
5. Como explicar, pelo desígnio, as palavras: "Guarda os mandamentos", que parecem contradizer a doutrina da salvação pela fé?
6. Como se harmonizam os textos de Paulo e Tiago, dizendo um: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" e o outro: "Verificais que uma pessoa é justificada por obras, e não por fé somente"?
7. Como se explica satisfatoriamente a afirmação de João de que o cristão "não pode pecar"?
8. Como se harmonizam as passagens a respeito de guardar as festas em Gálatas 4:10, 11 e Romanos 14:5, 6?


QUINTA REGRA – 1ª PARTE

É necessário consultar as passagens paralelas, "explicando cousas espirituais pelas espirituais" (1 Cor. 2:13, original).
l. Com passagens paralelas entendemos aqui as que fazem referência uma à outra, que tenham entre si alguma relação, ou tratem de um modo ou outro de um mesmo assunto.
2. Não só é preciso apelar para tais paralelos a fim de aclarar determinadas passagens obscuras, mas ao tratar-se de adquirir conhecimentos bíblicos exatos quanto a doutrinas e práticas cristãs. Porque, como já dissemos, uma doutrina que pretende ser bíblica, não pode ser considerada no todo como tal, sem resumir e expressar com fidelidade tudo o que estabelece e excetua a Bíblia em suas diferentes partes em relação ao particular. Se sempre se houvesse tido isto presente, não se propagariam hoje tantos erros com a pretensão de serem doutrinas bíblicas.
3. Neste estudo importante convém observar que há paralelos de palavras paralelos de idéias e paralelos de ensinos gerais.

1. Paralelos de palavras

Quanto a estes paralelos, quando o conjunto da frase ou o contexto não bastam para explicar uma palavra duvidosa, procura-se às vezes adquirir seu verdadeiro significado consultando outros textos em que ela ocorre; e outras vezes, tratando-se de nomes próprios, apela-se para o mesmo procedimento a fim de fazer ressaltar fatos e verdades que de outro modo perderiam sua importância e significado.
Exemplos: 1° - Em Gálatas 6:17, diz Paulo: "Trago no corpo as marcas de Jesus." Que eram essas marcas? Nem o conjunto da frase, nem o contexto no-lo explica. Iremos, pois, às passagens paralelas. Em 2 Cor. 4:10, encontramos em primeiro lugar, que Paulo usa a expressão "levando sempre no corpo o morrer de Jesus", falando da cruel perseguição que continuamente Cristo padecia, o que nos indica que essas marcas se relacionam com a perseguição que sofria. Porém ainda mais luz alcançamos mediante 2 Cor. 11:23, 25, onde o apóstolo afirma que foi açoitado cinco vezes (com golpes de couro) e três vezes com varas; suplícios tão cruéis que, se não deixavam o paciente morto, causavam marcas no corpo que duravam por toda a vida. Consultando, assim, os paralelos, aprendemos que as marcas que Paulo trazia no corpo não eram chagas ou sinais da cruz milagrosa ou artificialmente produzidas, como alguns pretendem, porém marcas ou sinais dos suplícios sofridos pelo Evangelho de Cristo.
2° - Na carta aos Gálatas 3:27, diz o apóstolo dos batizados: "de Cristo vos revestistes". Em que consiste estar revestido de Cristo? Pelas passagens paralelas em Rom. 13:13,14 e Col. 3:12,14, tudo se esclarece. O estar revestido de Cristo, por um lado consiste em ter deixado as práticas carnais, como a luxúria, dissoluções, contendas e ciúmes; e por outro em haver adotado como vestido decoroso, a prática de uma vida nova, como a misericórdia, benignidade, humildade, mansidão, tolerância e sobretudo o amor cujos atos os cristãos primitivos simbolizavam no seu batismo, deixando-se sepultar e levantar em sinal de haverem morrido para essas práticas mundanas e de haverem ressuscitado em novidade de vida, com suas correspondentes práticas novas. Assim é que, consultando os paralelos, aprendemos que o estar revestido de Cristo não consiste em haver adotado tal ou qual túnica ou vestido "sagrado", mas em adornos espirituais ou morais próprios do Cristianismo simples, santo e puro (1 Pedro 3:3-6).
3° - Segundo Atos 13:22, Davi foi um "homem segundo o coração de Deus". Quererá a Escritura com esta expressão apresentar-nos a Davi como modelo de perfeição? Não, porque não cala suas muitas e graves faltas, nem seus correspondentes castigos. Como e em que sentido, pois, foi homem conforme o coração de Deus? Busquemos os paralelos. Em 1 Samuel 2:35, disse Deus: "Suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o que tenha no coração" do que resulta, tomando toda a passagem em consideração, que Davi, especialmente em sua qualidade de sacerdote-rei, procederia segundo o coração ou a vontade de Deus, Esta idéia se encontra plenamente confirmada na passagem paralela do cap. 13, verso 14, onde também verificamos que era em vista do rebelde Saul, e contrário à sua má conduta como rei, que Davi seria homem segundo o coração de Deus.
Se bem que Davi, como vemos pela história e pelos seus Salmos, de modo geral foi homem piedoso, em muitos casos digno de imitação, não nos autorizam de nenhum modo os paralelos de nossa passagem a considerá-lo como modelo de perfeição, sendo seu significado primitivo, como temos visto, que Davi, em sua qualidade oficial, o contrário do rebelde rei Saul, seria homem que procederia segundo o coração ou a vontade de Deus.
4° - Um exemplo da utilidade de consultar os paralelos em relação aos nomes próprios, temo-lo no relato de Balaão, em Números, capítulos 22 e 24, deixando-nos em duvida quanto ao verdadeiro caráter e de sua pessoa. Foi ele realmente profeta? E, em tal caso, qual foi a causa de sua queda? Consultando os paralelos do Novo Testamento, verificamos por 2 Pedro 2:15,16 e Judas 11, que ele foi um pretenso profeta que atuava levado pela paixão da cobiça, e por Apocalipse 2:14, que por suas instigações Balaque fez os israelitas caírem em pecado tão grande que lhes custou a destruição de 23.000 pessoas.
5° - Convém observar também que por este estudo de paralelos se aclaram aparentes contradições. Segundo 1 Crônicas 21:11, por exemplo, Gade oferece a Davi, da parte de Deus, o castigo de três anos de fome, e segundo 2 Samuel 24:13, lhe pergunta Gade se quer sete anos de fome. Como pôde perguntar-lhe se queria sete e ao mesmo tempo lhe oferece três? Simplesmente porque pelo paralelo de 2 Samuel 21:1, na pergunta de Gade compreendemos que toma em conta os três anos de fome passados já, com o que estão passando, enquanto no oferecimento dos três anos só se refere ao porvir.
6° - Atenção. Ao consultar-se este tipo de paralelos convém proceder como segue: primeiramente buscar o paralelo, ou seja, a aclaração da palavra obscura no mesmo livro ou autor em que se encontra, depois nos demais da mesma época e, finalmente em qualquer livro da Escritura. Isto d necessário porque, às vezes, varia o sentido de uma palavra, conforme o autor que a usa, segundo a época em que se emprega, e ainda, como já temos dito, segundo o texto em que ocorre no mesmo livro.
Exemplos: 1° - Um exemplo de como diferentes autores empregam uma mesma palavra em sentido diferente, encontramo-lo nas cartas de Paulo e Tiago. A palavra obras, quando ocorre só, nas cartas aos Romanos e aos Gálatas, significa o oposto à fé, a saber: as práticas da lei antiga como fundamento para a salvação. Na carta de Tiago se usa a mesma palavra, sempre no sentido da obediência e santidade que a verdadeira fé em Cristo produz. Neste caso, e em casos parecidos, não se aclara, pois, uma pela outra palavra; daí compreendemos a necessidade de buscar paralelos com preferência no mesmo livro ou nos livros do autor que se estuda. Notemos, todavia, que um mesmo autor emprega, às vezes, uma palavra em sentido diferente, em cujo caso também uma expressão explica a outra. Lemos em Atos 9:7, que os companheiros de Saulo, no caminho de Damasco ouviram a voz do Senhor, e no capítulo 22:9 do mesmo livro, que "não perceberam o sentido da voz" ou, como diz outra versão, "não ouviram a voz". É porque entre os gregos, como entre nós, a palavra ouvir se usava no sentido de entender. Ouviram, pois, a voz e não a ouviram, significando: ouviram o ruído, porém não entenderam as palavras. Do mesmo modo distinguimos entre ver e ver, como o faziam os hebreus, usando a palavra em sentido diferente. Assim lemos em Gênesis 48:8, 10, que Israel "viu" os filhos de José, e em seguida, "os olhos de Israel já se tinham escurecido por causa da velhice, de modo que não podia ver bem". Significa que os viu confusamente, porém não os podia ver com clareza, sendo necessário colocá-los perto, como também diz o contexto. Busquem-se, pois, os paralelos, com preferência e em primeiro lugar num mesmo autor, porém não se espere, mesmo assim, que sirvam de paralelos sempre todas as expressões iguais.
2° - Prova de como pode mudar o significado de uma palavra segundo a época em que se emprega, temo-la na palavra arrepender-se. Novo Testamento é usada constantemente no sentido de mudar de mente o pecador, isto é, no sentido de mudar de opinião, de convicção íntima, de sentimento, enquanto no Antigo Testamento tem significados tão diferentes que unicamente o contexto, em cada caso, os pode aclarar. Tanto é assim, que no Antigo se diz do próprio Deus que se arrependeu, expressão que nunca é empregada pelos escritores do Novo ao falarem de Deus, exceto no caso de citarem o Antigo Testamento. Daí ser evidente que ao dizer que Deus se arrepende, não devemos de nenhum modo tomar no mesmo sentido do que nós compreendemos por arrependimento de um homem. Devem-se, pois, buscar os paralelos, em segundo lugar, nos escritos que datam de uma mesma época de preferência aos que se puder encontrar em outras partes das Escrituras.

PERGUNTAS
1. Qual é a quinta regra, e que se entende por paralelos?
2. Por que se devem consultar os paralelos?
3. Que tipos de paralelos existem?
4. Que se entende por paralelos de palavras?
5. Como se explica a palavra marcas em Gál. 6:17?
6. Por que não significa revestidos em Gál. 3:27, estar coberto com a túnica batismal?
7. Como se obtém o sentido verdadeiro da expressão de que Davi foi "um homem segundo o coração de Deus"?
8. Para que servem os paralelos no caso de nomes próprios?
9. Como se aclaram as aparentes contradições pelos paralelos?
10. Como se deve proceder ao consultar os paralelos de palavras?
11. Que exemplos se podem apresentar que demonstrem a necessidade de buscar paralelos num mesmo autor e uma mesma época?

QUINTA REGRA – 2ª PARTE

2. Paralelos de idéias

1. Para conseguir idéia completa e exata do que ensina a Escritura neste ou naquele texto determinado, talvez obscuro ou discutível, consultam-se não só as palavras paralelas, mas os ensinos, as narrativas e fatos contidos em textos ou passagens esclarecedoras que se relacionem com o dito texto obscuro ou discutível. Tais textos ou passagens chamam-se paralelos de idéias.
Exemplos: 1° - Ao instituir Jesus a ceia, deu o cálice aos discípulos, dizendo: "Bebei dele todos." Significa isto que só os ministros da religião devem participar do vinho na ceia com exclusão da congregação? Que idéia nos proporcionam os paralelos?
Em 1 Coríntios 11:22-29, nada menos que seis versículos consecutivos nos apresentam o "comer do pão e beber do vinho" como fatos inseparáveis na ceia, destinando os elementos a todos os membros da igreja sem distinção. Invenção humana, destituída de fundamento bíblico é, pois, o participarem uns do pão e outros do vinho na comunhão.
2° - Ao dizer Jesus: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja", constitui ele a Pedro como fundamento da igreja, estabelecendo o primado de Pedro e dos papas, como pretendem os papistas? Note-se primeiro que Cristo não disse: "Sobre ti, Pedro". Nada melhor que os paralelos que oferecem as palavras de Cristo e Pedro, respectivamente, para determinar este assunto, ou seja, o significado deste texto. Pois bem, em Mateus 21:42,44, vemos Jesus mesmo como a pedra fundamental ou "pedra angular", profetizada e tipificada no Antigo Testamento. E em conformidade com esta idéia, Pedro mesmo declara que Cristo é a pedra que vive, a principal pedra angular, rejeitada pelos judeus, em Silo, esta pedra foi feita a principal pedra angular, etc. (1 Pedro 2:4, 8). Paulo confirma e aclara a mesma idéia, dizendo aos membros da igreja de Éfeso (2:20) que são "edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo Cristo Jesus, a pedra angular, no qual todo edifício, bem ajustado cresce para santuário dedicado ao Senhor". Deste fundamento da igreja, posto pela pregação de Paulo, "como prudente construtor" entre os coríntios, disse o apóstolo "porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo" (1 Cor. 3:10, 11).
Cotejando estes e outros paralelos, chegamos à conclusão de que Cristo, neste texto, não constitui a Pedro como o fundamento de sua igreja.
2. O modo de proceder, tratando-se deste tipo de paralelos, é pois o de aclarar as passagens obscuras mediante paralelos mais claros: as expressões figurativas, mediante os textos paralelos próprios e sem figura, e as idéias sumariamente expressas, mediante os paralelos mais extensos e explícitos. Vejamos a seguir novos exemplos:
Exemplos: 1° - Acentua-se muito o amor aos crentes em 1 Pedro 4:8, porque o amor cobre multidão de pecados. Como explicar este texto obscuro? Pelo contexto e cotejando-o com 1 Cor. 13 e Col. 1:4, compreendemos que a palavra amor é usada aqui no sentido de amor fraternal. Porém, em que sentido cobre o amor fraternal muitos pecados? Em Rom. 4:8 e Salmo 32:1, vemos o pecado perdoado sob a figura de "pecado coberto", "sepultado no esquecimento", como nós diríamos. Consultando o conteúdo de Prov. 10:12, citado por Pedro neste lugar, compreendemos que o amor fraternal cobre muitos pecados no sentido de perdoar as ofensas recebidas dos irmãos, sepultando-os no esquecimento, contrário ao ódio que desperta rixas e aviva o pecado. Não se trata, pois, aqui de merecer o perdão dos próprios pecados mediante obras de caridade, nem de encobrir pecados próprios e alheios mediante dissimulações e escusas, como erroneamente pretendem os que não cuidam de consultar os paralelos, explicando a Escritura pela Escritura.
2° - Segundo Gálatas 6:15, o que é de valor para Cristo é a nova criatura. Que significa esta expressão figurada? Consultando o paralelo de 2 Cor. 5:17, verificamos que a nova criatura é a pessoa que "está em Cristo", para a qual "as cousas antigas passaram" e "se fizeram novas"; enquanto em Gál. 5:6 e 1 Cor. 7:19 temos a nova criatura como a pessoa que tem fé e observa os mandamentos de Deus.
3° - Paulo expõe sumariamente a idéia da justificação pela fé em Filipenses 3:9, dizendo que deseja ser achado em Cristo, "não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus baseada na fé". Para conseguir clareza desta idéia é preciso recorrer a numerosas passagens das cartas aos Romanos e aos Gálatas, nas quais se explica extensamente como pela lei todo homem é réu convicto diante de Deus e como pela fé na morte de Cristo, em lugar do pecador, o homem, sem mérito próprio algum, é declarado justo e absolvido pelo próprio Deus. Rom. 3, 4, 5; Gál. 3, 4.

PERGUNTAS
1. Que se entende por paralelos de idéias?
2. Como se explica a palavra todos no mandamento que diz: "bebei dele todos" na ordem da comunhão?
3. Como se prova que a pedra que Jesus menciona em Mat. 16:18, não é Pedro?
4. Como se procede no estudo dos paralelos de idéias?
5. Como é que o amor cobre o pecado, segundo as Escrituras?
6. Como se demonstra o verdadeiro sentido da expressão nova criatura de Gál. 6:15?
7. De que maneira se deixa tudo claro em relação à idéia "da justificação pela fé"?



QUINTA REGRA – 3ª PARTE

3. Paralelos de ensinos gerais

1. Para a aclaração e correta interpretação de determinadas passagens não são suficientes os paralelos de palavras e idéias; é preciso recorrer ao teor geral, ou seja, aos ensinos gerais das Escrituras. Temos indicações deste tipo de paralelos na própria Bíblia, sob as expressões de ensinar conforme as Escrituras, de ser anunciada tal ou qual coisa por boca de todos os profetas, e de usarem os profetas (ou pregadores) seu dom conforme a medida da fé, isto é, segundo a analogia ou regra da doutrina revelada. (1 Cor. 15:3, 14; Atos 3:18; Rom. 12:6.)
Exemplos: 1° - Diz a Escritura: "O homem é justificado pela fé sem as obras de lei." Ora, se desta circunstância alguém tira em conseqüência o ensino de que o homem de fé fica livre das obrigações de viver uma vida santa e de conformidade com os preceitos divinos, comete um erro, ainda quando consulte um texto paralelo. É preciso consultar o teor ou doutrina geral da Escritura que trata do assunto; feito isso, observa-se que essa interpretação é falsa por contrariar por inteiro o espírito ou desígnio do Evangelho, que em todas as partes previnem os crentes contra o pecado, exortando-os à pureza e à santidade.
2° - Segundo o teor ou ensino geral das Escrituras, Deus é um espírito onipotente, puríssimo, santíssimo, conhecedor de todas as cousas e em todas as partes presente, coisa que positivamente consta numa multidão de passagens. Pois bem, há textos que, aparentemente, nos apresentam a Deus como ser humano, limitando-o a tempo ou lugar, diminuindo em algum sentido sua pureza ou santidade, seu poder ou sabedoria; tais textos devem ser interpretados à luz de ditos ensinos gerais.
O fato de haver textos que à primeira vista não parecem harmonizar com esse teor das Escrituras, deve-se à linguagem figurada da Bíblia e à incapacidade da mente humana de abraçar a verdade divina em sua totalidade.
3° - Ao dizerem as Escrituras: "O Senhor fez todas as coisas para determinados fins, e até o perverso para o dia da calamidade" (Prov. 16:4), quererão aqui ensinar que Deus criou o ímpio para condená-lo, como alguns interpretam o texto? Certamente que não; porque, segundo o teor das Escrituras, em numerosas passagens, Deus não quer a morte do ímpio, não quer que ninguém pereça, mas que todos se arrependam. E, portanto, o significado da última parte do texto deve ser que o Criador de todas as coisas, no dia mau, saberá valer-se inclusive do ímpio para levar a cabo seus adoráveis desígnios. Quantas vezes, pela divina providência, não tiveram de servir os perversos qual açoite e praga a outros, castigando-se a si mesmos ao mesmo tempo!

4. Paralelos aplicados à linguagem figurada

Às vezes é preciso consultar os paralelos para determinar se uma passagem deve ser tomada ao pé da letra ou em sentido figurado. Várias vezes os profetas nos apresentam a Deus, por exemplo, com um cálice na não, dando de beber aos que quer castigar, caindo estes por terra, embriagados e aturdidos. (Naum 3:11; Hab. 2:16; Salmo 75:8, etc.) Esta representação, breve e sem explicação em certos textos, encontra-se aclarada no paralelo de Isaías 51:17,22,23, onde aprendemos que o cálice é o furor da ira ou justa indignação de Deus, e o aturdimento ou embriaguez, assolações e quebrantamentos insuportáveis.
A propósito da linguagem figurada, é preciso recordar aqui que alguma semelhança ou igualdade entre duas cousas, pessoas e fatos, justifica a comparação e uso da figura. Assim, pois, se houver certa correspondência entre o sentido figurado de uma palavra e seu sentido literal, não é necessário, como tampouco é possível, que tudo quanto encerra a figura se encontre no sentido literal. Pela mesma razão, por exemplo, quando Cristo chama de ovelhas a seus discípulos, é natural que não apliquemos a eles todas as qualidades que encerra a palavra ovelha, a qual aqui é usada em sentido figurado. Em casos como este sói bastar o sentido comum para determinar os pontos de comparação. Assim compreendemos que, ao chamar-se Cristo de o Cordeiro, somente se refere a seu caráter manso e a seu destino de ser sacrificado, como o cordeiro sem mácula o era entre os israelitas. Do mesmo modo compreendemos em que sentido se chama ao pecado de dívida; à redenção de pagamento da dívida, e ao perdão, remissão da divida ou da culpa.
É evidente que o sentido de tais expressões não deve ser levado a extremos exagerados: se bem que Cristo morreu pelos pecadores, não se admite em conseqüência, por exemplo, que todos os pecadores são ou serão salvos; e se bem que Cristo cumpriu toda a lei por nós, não resulta daí que tenhamos o direito de viver no pecado; ou se consta que o homem está morto no pecado, não quer dizer que está de tal modo morto que não se possa arrepender e que fique sem culpa se deixar de ouvir o chamamento do Evangelho. Tratando-se de figuras de objetos materiais, não será difícil determinar o justo número de realidades ou pontos de comparação que designa cada figura, nem a conseqüência lícita ou ensino positivo que encerra cada ponto.
Maiores dificuldades oferecem as figuras tomadas da natureza humana ou da vida ordinária. Muitos têm-se recreado em formar castelos de doutrinas sem fundamento, rebuscando e comparando tais figuras e símiles, tirando conseqüências ilícitas, e até contrárias às Escrituras. O espírito humano parece encontrar gosto especial em semelhantes fabricações caprichosas e jogos de palavras. Devem-se, pois, estudar as figuras com sobriedade especial e sempre com toda a seriedade.

PERGUNTAS
1. Que são "paralelos de ensinos gerais"?
2. Como se evita a falsa interpretação da expressão "Justificação sem as obras da lei"?
3. Como se aclaram as expressões que nos apresentam a Deus como um ser limitado?
4. Por que ocorrem tais expressões? Como se consegue o correto sentido do texto que diz que Deus tem feito o perverso para o dia mau?
5. Por que razão se deve recorrer aos paralelos tratando-se de linguagem figurada?
6. Em que condição se permite o uso de uma figura de retórica?
7. Por que não se deve buscar o equivalente de todas as circunstâncias das figuras?
8. Em que espírito se devem estudar e compreender as figuras ou símbolos das Escrituras?


REPETIÇÃO E OBSERVAÇÕES

Repetindo e resumindo algo do que foi dito nas lições anteriores, convém que nos recordemos e sempre tenhamos presente:
1° – Que o primeiro requisito para o bom entendimento das Escrituras é um espírito de discípulo humilde. Tanto é assim, que uma pessoa comparativamente ignorante, que humildemente invoca a luz do Espírito de Deus no estudo da Bíblia, conseguirá conhecimentos bíblicos exatos com mais facilidade do que um homem de talento e sabedoria humana que, preocupado e carecendo do espírito de discípulo, empreende seu estudo. Numerosos exemplos apóiam esta verdade.
2° – Que as grandes doutrinas e princípios do Cristianismo estão expostos com clareza nas Escrituras.
3° – Que, por conseguinte e em realidade, só se invocam as regras de interpretação para conseguir o significado verdadeiro dos pontos obscuros e de difícil compreensão.
4° – Que, apesar disso, d de grande importância que até o cristão mais humilde tenha alguma idéia de tais regras e de sua aplicação, porquanto é seu dever aprofundar-se nas Escrituras, confirmar-se em suas verdades e familiarizar-se com elas para seu próprio proveito e para poder iluminar aos que as contradizem.
5° – Para conhecer o sentido inato da Bíblia, ela mesma deve ser sua própria intérprete.
6° – Que o verdadeiro sentido de seus textos é conseguido pelo significado de suas palavras, e que assim, pela aquisição do verdadeiro sentido das palavras, se consegue o verdadeiro sentido de seus textos.
7° – Que não se deve esquecer por um momento que o significado das palavras está determinado pela peculiaridade e uso da linguagem bíblica, devendo-se, portanto, buscar o conhecimento do sentido em que se usam as palavras antes de tudo na própria Bíblia.
8° – Que as palavras devem ser tomadas no sentido que comumente possuem, se este sentido não estiver manifestamente contrário a outras palavras da frase em que ocorrem, com o contexto e com outras partes das Escrituras.
9° – Que, no caso de haver uma palavra com significado diferente, oferecendo-se assim ou de outro modo um ponto obscuro, recorra-se às regras acima citadas para se conseguir o sentido exato que intentava o escritor inspirado, ou melhor, o próprio Espírito de Deus.
10° – Que, à parte da correta interpretação de passagens e textos separados quanto às doutrinas, estas só são bíblicas e exatas quando expressam tudo quanto dizem as Escrituras em relação a elas.
Ao averiguar, pois, qual seja o verdadeiro significado de uma passagem da Escritura, é preciso que perguntemos:
1º – Qual d o significado de suas palavras?
Se não têm mais significado, estamos de imediato esclarecidos: possuímos já o verdadeiro sentido. Porém se há alguma que tem mais de um sentido, perguntemos:
2º – Que sentido requer o restante da frase?
Só em resposta encontramos dois ou três sentidos, perguntemos:
3º – Qual é o sentido que requer o contexto para que tenha um sentido harmônico toda a passagem?
Se ainda couber dar-lhe mais de um sentido, perguntemos:
4º – Qual é o sentido que requer o desígnio ou objetivo geral da passagem ou livro em que se encontra?
E se a todas estas perguntas se oferece ainda mais de uma resposta, perguntemos:
5º – Qual é o sentido que requerem outras passagens das Escrituras?
Se, por acaso, em resposta a tantas averiguaç6es, ainda fosse possível encontrar mais de um significado nalguma palavra da passagem, podem considerar-se verdadeiros ambos os significados ou ambas as interpretações, devendo-se, por certo, preferir a que mais condições reúna para ser aceita como verdadeira.
Repetimos que o procedimento acima indicado e as regras aqui estampadas são tão justas quanto necessárias, não somente para a interpretação de todo tipo de linguagem da Escritura, como para o reto entendimento e interpretação de toda linguagem ou documento de uso na vida ordinária.

PERGUNTAS
1. Qual é o principal requisito para compreender a Sagrada Escritura?
2. Como estão expressos os grandes princípios do Cristianismo nas Escrituras?
3. Quando é que são úteis as regras de interpretação?
4. Por que convém que todo cristão tenha idéias da correta interpretação das Escrituras?
5. Quem é o intérprete fundamental da Bíblia?
6. Como se consegue o verdadeiro sentido de seus textos?
7. Em que livro se busca o sentido das palavras bíblicas?
8. Em que sentido se devem tomar geralmente as palavras?
9. Como se procede quando uma palavra tem vários sentidos?
10. Quando é que uma determinada doutrina é de todo bíblica?
11. Para averiguar qual seja o verdadeiro sentido de uma passagem, que perguntas devemos formular-nos? Expliquem-se todas.


FIGURAS DE RETÓRICA – 1ª PARTE

Vimos na "primeira regra" que para a correta compreensão das Escrituras é necessário, na medida do possível, tomar as palavras em seu sentido usual e comum, o que, devido à linguagem usual e figurada da Bíblia e seus hebraísmos, não significa que sempre devem ser tomadas ao pé da letra. Também já observamos que é preciso familiarizar-se com esta linguagem para chegar a compreender, sem dificuldade, qual seja o sentido usual e comum das palavras. Para que o leitor consiga em parte esta familiaridade, exporemos em seguida uma série de figuras e hebraísmos, com seus correspondentes exemplos, que precisam ser estudados detidamente e repetidas vezes. Como veremos, as figuras retóricas da linguagem bíblica são as mesmas que em outros idiomas; e não é tanto para seus nomes, um tanto estranhos, quanto para os exemplos que lhes seguem, que chamamos a atenção.

Metáfora

1. Esta figura tem por base alguma semelhança entre dois objetos ou fatos, caracterizando-se um com o que é próprio do outro.
Exemplos: Ao dizer Jesus: "Eu sou a videira verdadeira", Jesus se caracteriza com o que é próprio e essencial da videira; e ao dizer aos discípulos: "Vós sois as varas", caracteriza-os com o que é próprio das varas. Para a boa interpretação desta figura, perguntamos, pois: que caracteriza a videira? ou, para que serve principalmente? Na resposta a tais perguntas está a explicação da figura. Para que serve uma videira? Para transmitir seiva e vida às varas, a fim de produzirem uvas. Pois isto é o que, em sentido espiritual, caracteriza a Cristo: qual uma videira ou tronco verdadeiro, comunica vida e força aos crentes, para que, como as varas produzem uvas, eles produzam os frutos do Cristianismo. Proceda-se do mesmo modo na interpretação de outras figuras do mesmo tipo, como por exemplo: "Eu sou a porta, eu sou o caminho, eu sou o pão vivo; vós sois a luz, o sal; edifício de Deus; ide, dizei àquela raposa; são os olhos a lâmpada do corpo; Judá é leãozinho; tu és minha rocha e minha fortaleza; sol e escudo é o Senhor Deus; a casa de Jacó será fogo, e a casa de José chama e a casa de Esaú restolho", etc. (João 15:1; 10:9; 14:6; 6:51; Mat. 5:13,14; 1 Cor. 3:9; Luc. 13:32; Mat. 6:22; Gên. 49:9; Sal. 71:3; 84:11; Obadias 18.)

Sinédoque

2. Faz-se uso desta figura quando se toma a parte pelo todo ou o todo pela parte, o plural pelo singular, o gênero pela espécie, ou vice-versa.
Exemplos: Toma a parte pelo todo o Salmista ao dizer: "Minha carne repousará segura" (versão revista e corrigida), em lugar de dizer: meu corpo ou meu ser, que seria o todo, sendo a carne só parte de seu ser (Sal. 16:9).
Toma o todo pela parte o Apóstolo quando diz da ceia do Senhor: "todas as vezes que . . . beberdes o cálice", em lugar de dizer beberdes do cálice, isto é, parte do que há no cálice. (1 Cor. 11:26).
Tomam também o todo pela parte os acusadores de Paulo ao dizerem: "Este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo"; significando, por aquela parte do mundo ou do Império romano que o Apóstolo havia alcançado com sua pregação. (Atos 24:5.)

Metonímia

3. Emprega-se esta figura quando se emprega a causa pelo efeito, ou o sinal ou símbolo pela realidade que indica o símbolo.
Exemplos: Vale-se Jesus desta figura empregando a causa pelo efeito ao dizer: "Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos", em lugar de dizer que têm os escritos de Moisés e dos profetas, ou seja o Antigo Testamento. (Luc. 16:29.)
Emprega também o sinal ou símbolo pela realidade que indica o sinal quando disse a Pedro: "Se eu não te lavar, não tens parte comigo". Aqui Jesus emprega o sinal de lavar os pés pela realidade de purificar a alma, porque faz saber ele mesmo que o ter parte com ele não depende da lavagem dos pés, mas da purificação da alma. (João 13:8).
Do mesmo modo João faz uso desta figura pondo o sinal pela realidade que indica o sinal, ao dizer: "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado", pois é evidente que aqui a palavra sangue indica toda a paixão e morte expiatória de Jesus, única coisa eficaz para satisfazer pelo pecado e dele purificar o homem. (1 João 1:7.)

Prosopopéia

4. Usa-se esta figura quando se personificam as coisas inanimadas, atribuindo-lhes os feitos e ações das pessoas.
Exemplos: O apóstolo fala da morte como de pessoa que pode ganhar vitória ou sofrer derrota, ao perguntar: "Onde está, ó morte, o teu aguilhão?" (1 Cor. 15:55). Emprega o apóstolo Pedro a mesma figura, falando do amor, e referindo-se à pessoa que ama, quando diz: "o amor cobre multidão de pecados" (1 Ped. 4:8). Como é natural, ocorrem com freqüência estas figuras na linguagem poética do Antigo Testamento, dando-lhe assim uma formosura, vivacidade e animação extraordinárias, como por exemplo ao prorromper o profeta: "Os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas."
Convirá observar que em casos como estes não se trata somente de uma mera personificação das coisas inanimadas, mas de uma simbolização pelas mesmas, representando nesta passagem os montes e outeiros pessoas eminentes, e árvores pessoas humildes; uns e outros de regozijo louvando ao Redentor ante seus mensageiros. (Isaías 55:12.)
Outro caso de personificação grandiosa ocorre no Salmo 85:10,11, onde se faz referência à abundância de bênçãos próprias do reinado do Messias nestes termos: "Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram. Da terra brota a verdade, dos céus a justiça baixa o seu olhar."

Ironia

5. Faz-se uso desta figura quando se expressa o contrário do que se quer dizer, porém sempre de tal modo que se faz ressaltar o sentido verdadeiro.
Exemplos: Paulo emprega esta figura quando chama aos falsos mestres de os tais apóstolos, dando a entender ao mesmo tempo que de nenhum modo são apóstolos. (2 Cor. 11:5; 12:11; veja-se 11:13.)
Vale-se da mesma figura o profeta Elias quando no Carmelo disse aos sacerdotes do falso deus Baal: "Clamai em altas vozes . . . e despertará", dando-lhes a compreender, por sua vez, que era de todo inútil gritarem. (1 Reis 18:27.)
Também Jó faz uso desta figura ao dizer a seus amigos: "Vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria", fazendo-os saber que estavam muito longe de serem tais sábios. (Jó 12:2.)

Hipérbole

6. É a figura pela qual se representa uma coisa como muito maior ou menor do que em realidade é, para apresentá-la viva à imaginação. Tanto a ironia como a hipérbole são pouco usadas nas Escrituras, porém, alguma ou outra vez ocorrem.
Exemplos: Fazem uso da hipérbole os exploradores da terra de Canal quando voltam para contar o que ali haviam visto, dizendo: "Vimos ali gigantes . . . e éramos aos nossos próprios olhos como gafanhotos... as cidades são grandes e fortificadas até aos céus." (Núm. 13:33; Deut. 1:28). Daí se vê que os exploradores falavam como se costuma entre nós ao dizer uma pessoa a outra, por exemplo: "Já lhe avisei mil vezes", querendo dizer tio somente: "Já lhe avisei muitas vezes."
Também João faz uso desta figura ao dizer: "Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos."

PERGUNTAS

1. Que se entende por metáfora?
2. Que é sinédoque?
3. Que é metonímia
4. Que é prosopopéia?
5. Que é ironia?
6. Que é hipérbole?
Esclareça-se cada figura com algum exemplo.


FIGURAS DE RETÓRICA – 2ª PARTE

Não só se empregam determinadas palavras em sentido figurado nas Escrituras, mas às vezes, textos e passagens inteiros; assim é que achamos o uso da alegoria, da fábula, do enigma, do símbolo e da parábola, figuras que ocorrem também em outra classe de literatura.

Alegoria

1. A alegoria é uma figura retórica que geralmente consta de várias metáforas unidas, representando cada uma delas realidades correspondentes. Costuma ser tão palpável a natureza figurativa da alegoria, que uma interpretação ao pé da letra quase que se faz impossível. Às vezes a alegoria está acompanhada, como a parábola, da interpretação que exige.
Exemplos: Tal exposição alegórica nos faz Jesus ao dizer: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne... Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna", etc. Esta alegoria tem sua interpretação na mesma passagem da Escritura. (João 6:51-65.)
Outra alegoria apresenta o Salmista (Salmo 80:8-13) representando os israelitas, sua trasladação do Egito a Canaã e sua sucessiva história sob as figuras metafóricas de uma videira com suas raízes, ramos, etc., a qual, depois de trasladada, lança raízes e se estende, ficando porém mais tarde estropiada pelo javali da selva e comida pelas bestas do campo (representando o javali e as bestas poderes gentílicos).
Ainda outra alegoria nos apresenta o povo israelita sob as figuras de uma vinha em lugar fértil, a qual, apesar dos melhores cuidados, não dá mais que uvas silvestres, etc. Também esta alegoria está acompanhada de sua explicação correspondente – "Porque, a vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta dileta do Senhor", etc. (Isa. 5:1-7).

Fábula

2. A fábula é uma alegoria histórica, pouco usada na Escritura, na qual um fato ou alguma circunstância se expõe em forma de narração mediante a personificação de coisas ou de animais.
Exemplos: Lemos em 2 Reis 14:9: "O cardo que está no Líbano, mandou dizer ao cedro que lê está: Dá tua filha por mulher a meu filho; mas os animais do campo, que estavam no Líbano, passaram e pisaram o cardo." Com esta fábula Jeoás, rei de Israel, responde ao repto de guerra que lhe havia feito Amazias, rei de Judá. Jeoás compara-se a si mesmo ao robusto cedro do Líbano e humilha a seu orgulhoso contendor, igualando-o a um débil cardo, desfazendo toda aliança entre os dois e predizendo a ruína de Amazias com a expressão de que "os animais do campo pisaram o cardo".

Enigma

3. O enigma também é um tipo de alegoria, porém sua solução é difícil e abstrusa.
Exemplos: Sansão propôs aos filisteus o seguinte: "Do comedor saiu comida e do forte saiu doçura" (Juízes 14:14). A solução se encontra no sobredito trecho bíblico.
Entre outros ditos de Agur, encontramos em Prov. 30:24 o enigma seguinte: "Há quatro coisas mui pequenas na terra, que, porém, são mais sábias que os sábios." Este enigma tem também sua solução na mesma passagem em que se encontra.



Tipo

4. O tipo é uma classe de metáfora que não consiste meramente em palavras, mas em fatos, pessoas ou objetos que designam fatos semelhantes, pessoas ou objetos no porvir. Estas figuras são numerosas e chamam-se na Escritura sombra dos bens vindouros, e se encontram, portanto, no Antigo Testamento.
Exemplos: Jesus mesmo faz referência à serpente de metal levantada no deserto, como tipo, prefigurando a crucificação do Filho do homem. (João 3:14.)
Noutra ocasião Cristo se refere ao conhecido acontecimento com Jonas como tipo, prefigurando sua sepultura e ressurreição. (Mat. 12:40.)
Paulo nos apresenta o primeiro Adão como tipo, prefigurando o segundo Adão, Cristo Jesus; e também o cordeiro pascoal como o tipo do Redentor. (Rom. 5:14; 1 Cor. 5:7.) Sobretudo, a carta aos Hebreus faz referência aos tipos do Antigo Testamento, como, por exemplo, ao sumo sacerdote que prefigurava a Jesus; aos sacrifícios que prefiguravam o sacrifício de Cristo; ao santuário do templo que prefigurava o céu, etc. (Heb. 9:11-28; 10:6-10).
Muitos abusos têm sido cometidos na interpretação de muitas coisas que parecem típicas no Antigo Testamento. Assim é que folgamos em aconselhar: 1° – Aceite-se como tipo o que como tal é aceito no Novo Testamento; 2° – recorde-se que o tipo é inferior ao seu correspondente real e que, por conseguinte, todos os detalhes do tipo não têm aplicação à dita realidade; 3° – tenha-se presente que às vezes um tipo pode prefigurar coisas diferentes, e 4° – que os tipos, como as demais figuras, não nos foram dados para servir de base e fundamento das doutrinas cristãs, mas para confirmar-nos na fé e para ilustrar e apresentar as doutrinas vivas à mente.



Símbolo

5. O símbolo é uma espécie de tipo pelo qual se representa alguma coisa ou algum fato por meio de outra coisa ou fato familiar que se considera a propósito para servir de semelhança ou representação.
Exemplos: O leão é considerado o rei dos animais do bosque; assim é que achamos nas Escrituras a majestade real simbolizada pelo leão. Do mesmo modo se representa a força pelo cavalo e a astúcia pela serpente. (Apoc. 5:5; 6:2; Mat. 10:16.)
Considerando a grande importância que sempre tiveram as chaves e seu uso, nada há de estranho que viessem a simbolizar autoridade (Mat. 16:19).
Recordando que as portas dos povoados antigamente serviam como uma espécie de fortaleza, compreendemos por que, em linguagem simbólica, venha a representar força e domínio. (Mat. 16:18).
Tão numeroso é este tipo de símbolos que cremos conveniente colocar os mais comuns em seção à parte.
Quanto a fatos simbólicos, para representar a morte do pecador para o mundo e sua entrada numa vida nova pela ressurreição espiritual, temos a imersão e saída da água, no batismo. Representa-se também, como sabemos, a comunhão espiritual com Jesus e a participação de seu sacrifício na celebração da Ceia do Senhor. (Rom. 6:3,4; 1 Cor. 11:23-26.)

Parábola

6. A parábola é uma espécie de alegoria apresentada sob forma de uma narração, relatando fatos naturais ou acontecimentos possíveis, sempre com o objetivo de declarar ou ilustrar uma ou várias verdades importantes.
Exemplos: Em Lucas 18:1-7 expõe Jesus a verdade de que é preciso orar sempre e sem desfalecer, ainda que tardemos em receber a resposta para aclarar e imprimir nos corações esta verdade, serve-se do exemplo ou parábola de uma viúva e um mau juiz, que nem teme a Deus nem tem respeito aos homens. Comparece a viúva perante o juiz pedindo justiça contra seu adversário. Porém o juiz não faz caso; mas em razão de voltar e molestá-lo, a viúva consegue que o juiz injusto lhe faça justiça. E assim Deus ouvirá aos seus "que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los".
Uma parábola que tem por objetivo ilustrar várias verdades, temo-la no Semeador (Mat. 13:3-8), cuja semente cai na terra em quatro pontos diferentes; necessitando cada um sua interpretação. (Vejam-se versos 18-25.) Outra parábola que ilustra várias verdades é a do João, no mesmo cap. vers. 24-30 e 36-43. Várias verdades são aclaradas também pelas parábolas da ovelha perdida, da dracma perdida e do filho pródigo (Luc. 15). Outro tanto sucede com a do fariseu e o publicano e outras (Luc. 18:10-14).
Quanto à correta compreensão e interpretação das parábolas, é preciso observar o seguinte:
1° – Deve-se buscar seu objetivo; em outras palavras, qual é a verdade ou quais as verdades que ilustra. Encontrado isso, tem-se a explicação da parábola, e note-se que às vezes consta o objetivo na sua introdução ou no seu término. Outras vezes se descobre seu objetivo tendo presente o motivo com que foi empregada.
2° – Devemos ter em conta os traços principais das parábolas, deixando-se de lado o que lhes serve de adorno ou para completar a narrativa. Jesus mesmo nos ensina a proceder assim na interpretação de suas próprias parábolas. Como existe perigo de equivocar-se neste ponto, vamos aclará-lo chamando a atenção para a de Lucas 11:5-8. Nesta parábola Cristo ilustra a verdade de que é necessário orar com insistência, valendo-se do exemplo de uma pessoa que necessita de três pães. É noite e vai pedi-los emprestados a um amigo seu que já tem a porta fechada e está deitado, bem como os seus filhos. Este amigo preguiçoso não quer levantar-se para dá-los, mas, por força da insistência e importunação no pedido, o homem consegue o que deseja.
É fácil ver que aqui é o homem necessitado e suplicante quem nos oferece o bom exemplo e representa o cristão na parábola. Igualmente fácil é entender que seu amigo representa Deus. Porém, que absurdo seria interpretar tudo o que se disse do amigo, aplicando-o a Deus, a saber, que tem a porta fechada, estão ele e seus filhos deitados e, sendo preguiçoso, não quer levantar-se! É evidente que esta parte constitui o que chamamos adorno da parábola e que se deve deixar de lado, por não corresponder e se aplicar à realidade. Observemos, pois, sempre a totalidade da parábola e suas partes principais, fazendo caso omisso de seus detalhes menores.
3° – Não se esqueça de que as parábolas, como as demais figuras, servem para ilustrar as doutrinas e não para produzi-las.

PERGUNTAS

1. Que se entende por alegoria?
2. Que é fábula?
3. Que é enigma?
4. Que é tipo?
5. Que é símbolo?
6. Que é parábola e que circunstâncias especiais devem ser observadas em sua interpretação?
Esclareça-se cada resposta com algum exemplo.

FIGURAS DE RETÓRICA – 3ª PARTE

Por P. C. Nelson

Desejamos acrescentar a este capítulo algumas figuras de retórica que o Dr. Lund omitiu a fim de fazer mais concisa sua obra. Consideramos útil acrescentar esta lição a fim de facilitar o emprego desta obra como livro de texto e também para o estudo e leitura particulares.

Símile

1. A figura de retórica denominada símile procede da palavra latina "similis" que significa semelhante ou parecido a outro. A palavra é definida da seguinte maneira pela Enciclopédia Brasileira Mérito: "Semelhante. Analogia; qualidade do que é semelhante; comparação de coisas semelhantes." A Bíblia contém numerosos e belíssimos símiles, que, quais janelas de um edifício, deixam penetrar a luz e permitem que os que estão em seu interior possam olhar para fora e contemplar o maravilhoso mundo de Deus. A metáfora consiste em denominar uma coisa empregando o nome de outra, na esperança de que o leitor ou o ouvinte reconhecerá a semelhança entre o sentido real e o figurado da comparação. O Senhor Jesus empregou com respeito a Herodes o qualificativo de aquela raposa, o que constitui uma metáfora. Se houvesse dito que Herodes era como uma raposa, teria empregado a figura retórica denominada símile, mas neste caso, teria faltado força à sua declaração. A palavra raposa ajustava-se tão bem ao astuto rei, que o Senhor não necessitou dizer que Herodes era como uma raposa. No símile se emprega para a comparação a palavra como ou outra similar, enquanto na metáfora se prescinde dela.
Exemplos: "Pois quanto o céu se alteia acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem." (Símile.)
"Como o pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece dos que o temem." (Símile.)
"Pois ele conhece a nossa estrutura, e sabe que somos p6." (Metáfora).
"Quanto ao homem, os seus dias são como a relva; como a flor do campo, assim ele floresce; pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá daí em diante o seu lugar." (Símile.) (Salmo 103:11-16.)
Outra série de símiles se encontra em Isaías, capítulo 55. Nos versículos 8-11 temos símiles de rara beleza, como por exemplo: "Como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos; e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos."
"Porque, assim como descem a chuva e a neve dos céus, e para lá não tornam, sem que primeiro reguem a terra e a fecundem e a façam brotar para dar semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a designei."
"Os símbolos escolhidos", diz-nos o Dr. Delitch em seu Comentário Bíblico de Isaías, "têm profundo significado alusivo. Assim como a neve e a chuva são causas imediatas de crescimento, e também da satisfação que proporcionam os produtos colhidos, assim também a Palavra de Deus abranda e refresca o coração humano, transformando-o em terreno fértil e vegetativo. A Palavra de Deus proporciona também ao profeta – o semeador – a semente para semear, a qual traz consigo o pão que alimenta a alma. O homem vive de toda palavra que sai da boca de Deus". (Deut. 8:3.)
Outros dois símiles eficazes relativos ao poder da Palavra de Deus se encontram em Jeremias 23:29 que diz assim: "Não é a minha palavra fogo, diz o Senhor, e martelo que esmiúça a penha?" Compare a poderosa metáfora de Hebreus 4:12.
O profeta Isaías em 1:18, mediante dois símiles familiares, dá a conhecer as promessas de Deus relativas ao perdão e à limpeza. "Ainda que os vossos pecados são como a escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que são vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã."
O profeta Isaías nos diz também que "Os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar, cujas águas lançam de si lama e lodo." O mesmo profeta compara os justos a um jardim regado e um manancial inesgotável. (57:20 e 58:11).
Nada é mais inconstante que as ondas marinhas impulsionadas pelo vento. A elas compara o apóstolo Tiago (1:6) o crente variável e vacilante, que oscila entre a fé e a dúvida. "Peça com fé, em nada duvidando; pois o que duvida d semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento." A tradução deste versículo para o inglês, feita por Moffatt, e vertida livremente para o português, diz assim: "Somente peça com fé, sem duvidar jamais, porque o homem que duvida é como a onda do mar, que gira em redemoinho e flutua, impulsionada pelo vento."
Os símiles da Bíblia são quais gravações formosas e de grande valor artístico, que acompanham as verdades, que sem este auxílio seriam captadas fracamente e esquecidas com facilidade.

Interrogação

2. A palavra interrogação procede de um vocábulo latino que significa pergunta. Mas nem todas as perguntas são figuras de retórica. Somente quando a pergunta encerra uma conclusão evidente é que é uma figura literária. A Enciclopédia Brasileira Mérito define a interrogação da seguinte maneira: "Figura pela qual o orador se dirige ao seu interlocutor, ou adversário, ou ao público, em tom de pergunta, sabendo de antemão que ninguém vai responder."
Exemplos: "Não fará justiça o Juiz de toda a terra?" (Gên. 18:25). Isso equivale a dizer que o Juiz de toda a terra fará o que é justo. "Não são todos eles espíritos ministradores enviados para serviço, a favor dos que hão de herdar a salvação?" (Hebreus 1:14). Neste versículo o ministério nobre dos anjos se considera um fato incontrovertível. As interrogações que se encontram em Rom. 8: 33-35 constituem formosos exemplos do poder e do uso desta figura literária. A mente, em forma instintiva, vai da pergunta à resposta em atitude triunfal. "Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou fome, ou nudez, ou perigo ou espada?"
"Jesus, porém, lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do homem?" Estas palavras equivaliam a dizer: "Judas, tu entregas o Filho do homem com um beijo." (Lucas 22:48).
No livro de Jó há muitas interrogações. Aqui temos alguns exemplos: "Porventura não sabes tu que desde todos os tempos, desde que o homem foi posto sobre a terra, o júbilo dos perversos é breve, e a alegria dos ímpios momentânea?" (Jó 20:4, 5). "Porventura desvendarás os arcanos de Deus, ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?" (Jó 11:7). A resposta de Deus do meio de um redemoinho (caps. 38-40) está expressa em sua maior parte por meio de interrogações.

Apóstrofe

3. A apóstrofe se assemelha muito à personificação ou prosopopéia. A palavra apóstrofe procede do latim apostrophe e esta do grego apo, que significa de, e strepho, que quer dizer volver-se. O vocábulo indica que o orador se volve de seus ouvintes imediatos para dirigir-se a uma pessoa ou coisa ausente ou imaginária. A Enciclopédia Brasileira Mérito nos proporciona a seguinte definição: "Figura usada por orador, no discurso; consiste em interrompê-lo subitamente, para dirigir a palavra, ou invocar alguma pessoa ou coisa, presente, ausente, real ou imaginária. O emprego desta figura, na eloqüência, produz grandes efeitos sobre as paixões que o orador procura transmitir aos ouvintes." Quando as palavras são dirigidas a um objeto impessoal, a personificação e a apóstrofe se combinam, como por exemplo, em 1 Cor. 15:55, e em algumas outras passagens que seguem:
Exemplos: "Que tens, ó mar, que assim foges? e tu, Jordão, para tornares atrás? Montes, por que saltais como carneiros? e vós colinas, como cordeiros do rebanho? Estremece, ó terra, na presença do Deus de Jacó, o qual converteu a rocha em lençol de água e o seixo em manancial" (Salmo 114:5-8). A seguir temos outro exemplo que combina a personificação com a apóstrofe: "Ah, Espada do Senhor, até quando deixarás de repousar? Volta para a tua bainha, descansa, e aquieta-te" (Jeremias 47:6). Uma das apóstrofes mais extraordinárias e conhecidas é o grito do angustiado Davi, por motivo da morte de seu filho rebelde: "Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!" (2 Sam. 18:33). As palavras dirigidas ao caído monarca da Babilônia (Isaías 14:9-32) constituem uma das apóstrofes mais vigorosas da literatura.
A apóstrofe, empregada por oradores hábeis, é na maioria dos casos a forma mais eficiente e persuasiva da retórica.
"Inclinai os ouvidos, ó céus, e falarei; e ouça a terra as palavras da minha boca" (Deut. 32:1). Estas palavras nos fazem lembrar de Jeremias que disse: "Ó terra, terra, terral ouve a palavra do Senhor" (Jeremias 22:29). Constitui uma forma mui enfática de reclamar atenção e realçar a importância do que se fala.
Em Números 21:29 é onde encontramos uma das primeiras menções na Bíblia desta figura retórica: "Ai de ti, Moabe! Perdido estás, povo de Camos!" Aqui a palavra é dirigida à devastadora terra de Moabe como se estivesse presente. No famoso cântico de Débora e Baraque, é dirigida a palavra aos reis e príncipes ausentes e dominados, como se estivessem presentes: "Ouvi, reis, dai ouvidos, Príncipes. Eu, eu mesma cantarei ao Senhor; salmodiarei ao Senhor Deus de Israel" (Juízes 5:3).
Por motivos de espaço, só apresentaremos duas apóstrofes mais. Ambas procedem dos lábios do Mestre. A incredulidade, a indiferença e a resistência das cidades que haviam sido testemunhas da maior parte de sua maravilhosas obras o fizeram exclamar: "Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque se em Tiro e Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza . . . Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até o céu? Descerás até o inferno!" (Mateus 11:21,23). Quem não compartilha a angústia do Salvador, quando exclama: "Jerusalém, Jerusalém! que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!" (Mateus 23:37). Nestes últimos exemplos se combinam a apóstrofe e a prosopopéia.

Antítese

4. Este vocábulo procede da palavra latina antithesis e esta de palavras gregas que significam colocar uma coisa contra a outra. A Enciclopédia Brasileira Mérito nos dá a seguinte definição: "Inclusão, na mesma frase, de duas palavras, ou dois pensamentos, que fazem contraste um com o outro." Trata-se de uma figura de retórica muito eficaz que se encontra em muitas partes das Escrituras. O mau e o falso servem de contraste ou fundo que di realce ao bom e o verdadeiro.
Exemplos: O discurso de despedida de Moisés (Deut. 27 a 33) consiste numa notável série de contrastes ou antíteses. Note-se a que se encontra em Deut. 30:15 que diz: "Vê que proponho hoje a vida e o bem, a morte e o mal." Temos aqui um contraste ou antítese dupla. Também no versículo 19: "Os céus e a terra tomo hoje como testemunhas contra ti que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição (duas antíteses); escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência."
O Senhor Jesus apresenta em seu Sermão da Montanha numerosas antíteses. Note-se a que aparece em Mateus 7:13,14: "Entrai pela porta estreita (larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz para a perdição e são muitos os que entram por ela) porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela." O Senhor Jesus estabelece contraste ou antítese entre a porta estreita e a larga; entre o caminho estreito e o largo; entre os dois destinos, a vida e a destruição e entre os poucos e os muitos. Temos aqui uma quádrupla antítese. Entre os versículos 17 e 18 se contrasta a árvore má e seus maus frutos com a árvore boa e seus bons frutos. Nos versículos 21 a 23 o Senhor efetua um contraste entre duas pessoas: uma professa obediência à vontade divina, sem praticá-la, enquanto a outra realmente pratica a obediência. A seguir ilustra a diferença mediante uma extraordinária e múltipla antítese. (Versículos 24-27.)
Nosso Senhor Jesus dá por concluído seu maravilhoso discurso escatológico (referente às coisas finais, como a morte, o juízo e o estado futuro) nos capítulos 24 e 25 de Mateus, empregando gradação ou clímax de caráter antitético.
Em 2 Cor. 3:6-18, Paulo estabelece um contraste entre o Antigo Pacto e o Novo, entre a Lei e o Evangelho, empregando para isso uma série notável de antíteses que podem ser convenientemente preparadas em colunas paralelas. Em Rom. 6:23 o apóstolo Paulo contrasta "morte" com "vida eterna" e o "salário do pecado" com o "dom gratuito de Deus". "Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor."
Em 2 Cor. 6:8-10 ele nos proporciona uma série de antíteses relacionadas com sua própria experiência e nos versículos 14-16, mediante antíteses cuidadosamente selecionadas, demonstra a loucura do cristão que se agrilhoa ao mundo. Em 1 Cor. 15:35-38 dá por terminado seu poderoso argumento relativo à ressurreição mediante um abundante número de antíteses, semelhante à descarga de uma metralhadora.

Clímax ou Gradação

5. A palavra clímax ou gradação procede do latim climax e esta do grego klimax que significa escala, no sentido figurado da palavra. A Enciclopédia Brasileira Mérito nos proporciona a seguinte definição da palavra gradação: "Concatenação dos elementos de um período de modo a fazer com que cada um comece com a última palavra do anterior; amplificação, apresentação de uma série de idéias em progressão ascendente ou descendente. Também se diz clímax." O essencial é que exista avanço ou progresso na oração, parágrafo, tema, livro ou discurso. A maioria dos sermões bem preparados têm mais de uma gradação, e terminam mediante uma gradação final de caráter extraordinário.
A gradação pode consistir em umas poucas palavras ou pode estender-se por todo o discurso ou livro. Pode consistir em palavras soltas, preparadas de tal maneira que levem a mente em progressão gradual ascendente, ou pode consistir em uma série de argumentos que explodem em triunfal culminação, como o argumento incontrovertível da ressurreição em 1 Cor., capítulo 15. O grande capitulo dá fé, Hebreus 11, d um exemplo de um longo e poderoso clímax ou gradação.
Exemplos: O capítulo oitavo de Romanos é um maravilhoso clímax ou gradação. Começa com os vocábulos "nenhuma condenação", e termina dizendo que "nenhuma criatura nos poderá separar". Para criar este poderoso clímax ou gradação, o apóstolo emprega uma série de gradações. Temos aqui uma delas: "Porque não recebestes o espírito de servidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos glorificados" (Versículos15-17).
Temos aqui os degraus da escala: (1) Estamos expostos ao espírito de servidão e temor; (2) temos sido adotados; (3) ao compreender os lagos que nos unem a Deus, qual crianças sussurramos a palavra Aba, que significa Pai, em aramaico; (4) até o Espírito dá testemunho da verdade e realidade desta nova relação; (5) porém os filhos são herdeiros, e também o somos nós; (6) somos herdeiros de Deus, o mais rico de todos; e (7) estamos no mesmo pé de igualdade com Jesus, seu Filho, que é herdeiro de todas as coisas (Heb. 1:2); e se sofremos com ele, (8) também seremos glorificados com ele.
Temos em seguimento outra figura de gradação. Nos versículos 29-30 notamos como o Apóstolo ascende cúspide após cúspide: conheceu, predestinou, chamou, justificou, glorificou. Depois de haver alcançado esta altura, poderá o Apóstolo continuar subindo? Sim, leia os versículos 31-39. Note-se a base de nossa completa e absoluta confiança e segurança: (1) "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (2) Se nos deu livremente seu Filho para que morresse por nós, como nos poderá negar a graça ou bênção de que necessitamos? (3) Quem nos acusará, posto que é Deus quem nos justifica? (4) Quem se atreverá a condenar-nos, quando Cristo morreu para nos salvar? (5) Está agora à destra de Deus como nosso Advogado para interceder por nós. (6) Quem nos separará do amor que Cristo tem para conosco? Separar-nos-á por acaso (a) a tribulação, (b) angústia, (c) perseguição, (d) fome, (e) nudez, (f) perigo, (g) ou espada? Depois de haver alcançado este plano, o apóstolo se detém o suficiente para poder citar o Salmo 44:22, para demonstrar que em época remota o povo escolhido sofreu o martírio por amor de Deus, insinuando assim que estamos preparados para a mesma prova. Sim, nestes conflitos fazemos mais que vencer. Logo, nos versículos 38 e 39 se eleva a alturas que produzem vertigens, chegando logo a uma das gradações mais grandiosas de toda a literatura.
Recordemos também que no caso de Paulo não se tratava de um desdobramento oratório. Tratava-se da plena confiança e profunda convicção de seu coração, e ficou demonstrada em sua própria vida vitoriosa (2 Cor. 11:23-27) e morte (2 Tim. 4:6-8).
Notem-se também os admiráveis e eloqüentes clímax ou gradações em Isaías, capítulos 40 e 55; também em Efésios 3:14-21. Leia-se também Filipenses 2:5-21.
Temos aqui um exemplo da arenga de Cícero dirigida contra Verres: "É um ultraje encarcerar um cidadão romano; açoitá-lo é um crime atroz; dar-lhe morte é quase um parricídio; mas CRUCIFICÁ-LO, de que o qualificarei? Estas palavras lançam luz no que respeita aos Atos 22:25-28.
O anticlímax é o contrário do clímax ou gradação e é a miúdo empregado por escritores inexperientes. Consiste em descer do sublime ao ridículo ou colocar ao final do escrito ou discurso as frases de menor importância.

PERGUNTAS
1. Que é símile? Como se distingue da metáfora?
2. Que exemplos de símiles pode dar?
3. Que é interrogação? É toda pergunta uma figura de retórica? Apresente exemplos.
4. Que é apóstrofe? De que forma se diferencia esta figura de retórica da personificação? Dê exemplos da Bíblia.
5. Que é antítese? Dê exemplos.
6. Que é clímax ou gradação?
Efetue uma diferenciação entre clímax e antítese. Proporcione exemplos.


FIGURAS DE RETÓRICA – 4ª PARTE

Por P. C. Nelson

Em virtude do fato de que se encontram numerosas e diversas figuras de retórica nas Sagradas Escrituras, e no entendimento de que as figuras empregadas aclaram a miúdo as passagens mais obscuras e difíceis, acrescenta-se esta parte para estudar algumas figuras de retórica que não foram consideradas nas lições precedentes.

Provérbio

1. Este vocábulo procede das palavras latinas pro que significa antes e verbum que quer dizer palavra. Trata-se de um dito comum ou adágio. O provérbio tem sido definido como uma afirmação extraordinária e paradoxal. Os Provérbios do Antigo Testamento estão redigidos em sua maior parte em forma poética, consistentes em dois paralelismos, que geralmente são sinônimos, antitéticos ou sintéticos. O livro dos Provérbios contam grande variedade de Provérbios, adivinhações, enigmas e ditos obscuros. Neste último sentido da palavra usa-se o provérbio por duas vezes consecutivas em João 16 (25,29). Em João 10:6 temos a mesma palavra grega, mas ali foi traduzida como parábola. Alguns provérbios são parábolas abreviadas ou condensadas; outros, metáforas; outros, símiles; e outros se têm estendido até formar alegorias.
Em sua Introdução ao livro dos Provérbios, escrito em hebreu, o Dr. T. J. Conant faz o seguinte comentário: "A sabedoria ética e prática mais remota da maioria dos povos da antiguidade se expressava em ditos agudos, breves, expressivos e enérgicos. Enfeixavam, em poucas palavras, o resultado da experiência comum, ou das considerações e observações individuais. Pensadores e observadores agudos, acostumados a generalizar os acontecimentos experimentais e arrazoar com base em princípios básicos, expressavam o resultado de suas investigações mediante apotegmas ou seja ditos breves e sentenciosos, os quais comunicavam alguma instrução ou pensamento engenhoso, alguma verdade de caráter moral ou religioso, alguma máxima relativa à prudência ou conduta, ou às regras práticas da vida. Tudo isto era manifestado mediante termos destinados a despertar atenção, ou estimular o espírito de investigação ou as faculdades do pensamento, e em forma que se fixava com caracteres indeléveis na memória. Converteram-se, assim, em elementos integrantes da forma popular de pensar, tão inseparáveis dos hábitos mentais do povo como o próprio poder de percepção."
O propósito dos Provérbios é afirmado assim na introdução ao Livro dos Provérbios (1:2-6): "Para aprender a sabedoria, e o ensino; para entender as palavras de inteligência; para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo, e a eqüidade; para dar aos simples prudência, e aos jovens conhecimento e bom siso: ouça o sábio e crespa em prudência; e o entendido adquira habilidade para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios."
Exemplos: "Médico cura-te a ti mesmo" (Lucas 4:23). Este deve ter sido um dito comum em Nazaré. Aplicava-se a princípio, a médicos atacados de enfermidades físicas, os quais tratavam de curar delas a outros. Jesus compreendeu que seus antigos conhecidos da cidade de Nazaré, motivados pela incredulidade, empregariam essas palavras contra ele, se não realizasse em Nazaré milagres tão maravilhosos como os que havia efetuado em Cafarnaum. O Senhor respondeu aos seus pensamentos que ainda não se haviam transformado em palavras, com outro provérbio, que constitui uma defesa própria: "Nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra." Esta parece ser a interpretação condensada do provérbio que diz: "Não há profeta sem honra senão na sua terra, entre os seus parentes, e na sua casa." (Marcos 6:4; Mateus 13:57.) Jesus demonstra a verdade de sua declaração ao referir-se à história de Elias (1 Reis capítulos 17 e 18) e de Eliseu (2 Reis, 5:1-14).
Contra os mestres apóstatas e reincidentes que semeavam a ruína naquela época, o apóstolo Pedro emprega com grandes resultados dois fatos, que todos deviam ter observado, condensados num provérbio, a saber: "O cão voltou ao seu próprio vômito; e: a porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal" (2 Pedro 2:22). A interpretação é evidente, e não é difícil encontrar exemplos para ilustrar a verdade, mesmo em nossos dias. (Compare Provérbios 26:11, onde a primeira parte deste duplo provérbio se aplica com respeito a um néscio e sua necessidade.)
Advertências: (1) Deve-se ter muito cuidado no que respeita à interpretação de provérbios, e em particular, no referente àqueles que não são fáceis de entender e interpretar. Quiçá estejam baseados em fatos e costumes que se perderam para nós. (2) Dado que os Provérbios podem ser símiles, metáforas, parábolas ou alegorias, é bom determinar a que classe pertence o provérbio a ser interpretado. Figuras diferentes podem combinar-se para formar um provérbio. Por exemplo, em Prov. 1:20-33, a sabedoria é personificada e se apresenta o provérbio na forma de uma parábola com sua aplicação. Leia também Eclesiastes 9:13-18. (3) Estude o contexto, isto é, os versículos que precedem e seguem ao texto, os quais são amiúdo a chave da interpretação, como sucede nos casos acima mencionados. (4) Quando houverem fracassado todas as tentativas destinadas a aclarar o significado, é melhor ficar na expectativa até que se receba mais luz sobre o assunto. (5) Não empregue como prova textos, provérbios ou outras Escrituras, cujo significado não possa determinar, embora favoreçam a doutrina que você mantém. (6) Aproveite a ajuda que proporcionam os comentaristas eruditos no estudo das Sagradas Escrituras; eles conhecem os idiomas originais e podem proporcionar as conclusões a que chegaram os eruditos sagrados mais famosos. (7) Acima de tudo, ore pedindo a iluminação divina.

Acróstico

2. A palavra acróstico procede dos vocábulos gregos que significam extremidade ou verso. Temos vários exemplos de acrósticos no Antigo Testamento. O mais notável é o Salmo 119, com seus 176 versos. Contam 22 estrofes, e cada uma delas corresponde a uma letra do alfabeto hebraico. Há oito linhas duplas em cada estrofe.
Cada uma das oito linhas na primeira estrofe começa com uma palavra cuja primeira letra é Aleph, a primeira do alfabeto hebreu. A primeira palavra de cada uma das oito linhas duplas na segunda estrofe começa com Beth, a segunda letra do alfabeto, e assim sucessivamente, até o fim. Canta-se em louvor da Palavra de Deus e de seu Autor. É impossível trasladar esta característica singular do original à versão portuguesa, mas a tradução de João Ferreira de Almeida (revista e corrigida) indica o acróstico, colocando em ordem as letras hebraicas e seus nomes respectivos no começo das estrofes ou seções. No idioma hebraico esta forma constitui uma verdadeira ajuda para a memória. Dado que os salmos eram escritos para serem cantados sem livros, e posto que se aprendiam e recitavam de memória na escola, esta disposição alfabética constituía uma grande ajuda para aprender este capitulo, o mais longo da Bíblia.
Os Salmos 25 e 34 têm vinte e dois versículos em português, e o mesmo número de estrofes em hebraico: uma para cada letra do alfabeto, tomadas em ordem. Nos Salmos 111 e 112, cada um dos versículos o estrofes está dividido em duas partes, seguindo a ordem do alfabeto. Os últimos vinte e dois versículos do capítulo final dos Provérbios começam com uma letra do abecedário hebraico, em ordem alfabética.
A maior parte das Lamentações de Jeremias estão escritas em acrósticos, e alguns dos capítulos repetem cada uma das letras, uma ou mais vezes.
Temos aqui um modelo posterior de acróstico, em tradução livre:
Jesus, que na cruz seu sangue deu.
E a dor e o desdém por mim sofreu.
Sentenciado foi pela turba cruel
Ultrajado bebeu o amargo fel
Socorre-me e faz-me sempre fiel.
Os cristãos da primeira Igreja, como o evidenciam as catacumbas na cidade de Roma, empregavam comumente acr6sticos nos epitáfios. Um dos símbolos favoritos e secretos de sua fé imutável sob o fogo da perseguição era o desenho de um peixe. A palavra grega equivalente a peixe era ichthus. O alfabeto grego consta de caracteres que nós representamos mediante duas letras. Desta maneira th e ch são letras simples no alfabeto grego. Ao recordar este fato, o peixe simbólico era lido da seguinte maneira:
I Iesous Jesus
Ch Christos Cristo
Th Theou de Deus
U Uios Filho
S Soter Salvador

Paradoxo

3. Denomina-se paradoxo a uma proposição ou declaração oposta à opinião comum; a uma afirmação contrária a todas as aparências e à primeira vista absurda, impossível, ou em contraposição ao sentido comum, porém que, se estudada detidamente, ou meditando nela, torna-se correta e bem fundamentada. A palavra procede do grego e chega a nós por intermédio do latim. Está formada de dois vocábulos, para, que significa contra e doxa, opinião ou crença. Soa ao ouvido como algo incrível, ou impossível, se não absurdo. Nosso Salvador empregou com freqüência esta figura entre seus ouvintes, com o objetivo de sacudi-los de sua letargia e despertar seu interesse.
Exemplos: (a) "Vede, e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus." (Mat. 16:6; Mar. 8:14-21 e Luc. 12:1.) Os discípulos pensaram que o Senhor falava do fermento do pão, porque se haviam esquecido de levar pão consigo. Jesus lhes censurou a falta de compreensão até que finalmente entenderam que o Senhor se referia às más doutrinas e à hipocrisia dos fariseus e saduceus. (Mat. 16:12.)
(b) "Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos." (Mat. 8:22; Luc. 9:60.) Esta foi a extraordinária resposta que nosso Senhor deu a um dos candidatos ao discipulado, que não compreendia o que significava seguir ao Senhor, e se propunha primeiro sepultar seu pai. Aqueles que estão mortos no sentido espiritual da palavra, podem assistir aos funerais dos que têm falecido no aspecto físico. Outro desejava seguir ao Senhor Jesus, mas queria primeiro despedir-se dos de sua casa. Nosso Senhor compreendeu que a consagração tinha algum defeito, igual ao primeiro caso citado, e portanto replicou por meio da parábola: "Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás, é apto para o reino de Deus" (Lucas 9:61,62). Desta maneira o Senhor Jesus fez que as pessoas compreendessem a importância que tinha o ser seu discípulo e o pregar o evangelho.
(c) "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" E estendendo sua mão para seus discípulos, disse: "Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai, esse é meu irmão, irmã e mãe." (Mateus 12:4650; Marcos 3:31-35; Lucas 8:19-21.) Mediante este procedimento notável nosso Senhor inculcou a doutrina da relação espiritual mais elevada.
(d) "Se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo" (Mateus 14:26). Este paradoxo constitui um hebraísmo, tal como foi explicado na página 29. Se esta declaração fosse tomada em forma literal, constituiria uma completa contradição com outras Escrituras que nos ensinam que devemos amar a nossos familiares. (Efésios 5:28, 29 e outras.)
(e) "Quem quiser, pois, salvar a sua vida, perdoará; e quem perder a sua vida por causa de mim e do evangelho, salvará." (Marcos 8:35; Mateus 16:25j Lucas 9:24.) Mediante este paradoxo extraordinário, o Senhor faz que seus seguidores compreendam o valor da alma, e a perda terrível que experimentam aqueles que morrem sem esperança. Ao mesmo tempo o Mestre ensina que a melhor maneira de empregar a vida é servindo a Deus. As páginas da história missionária estão cheias de exemplos que ilustram o grande princípio que o Senhor Jesus enunciou neste paradoxo. Em outro paradoxo (Marcos 9:43-48), o Senhor demonstra que é melhor sofrer a perda de um dos membros de nosso corpo do que nos rendermos à tentação e ficarmos perdidos para sempre.
(f) "Coais o mosquito e engolis o camelo!" (Mateus 23:24). A peça mais notável de invectiva da literatura é a lançada pelo Senhor contra os escribas e fariseus hipócritas de seu tempo. Consiste em uma série de oito amargos presságios pronunciados contra eles, pouco antes de sua morte (Mateus 23:13-33). O Senhor Jesus os denomina "guias cegos" que cuidadosamente coam o mosquito, mas engolem o camelo. O versículo precedente nos mostra as diferenças sutis que faziam no que respeita à interpretação da lei, e quão escrupulosos eram para dar dízimos da hortelã, do endro e do cominho que cresciam em suas hortas e logo omitiam os assuntos mais importantes "da lei: a justiça, a misericórdia e a fé".
(g) "E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus." (Mateus 19:24; Marcos10:25; Lucas 18:25.) Este paradoxo maravilhou os discípulos, fazendo-os perguntar: "Quem pode ser salvo?" O contexto nos proporcionará ajuda. O Senhor Jesus acabava de finalizar sua entrevista com o jovem rico, que depois se havia afastado triste. Nessas circunstâncias, o Senhor Jesus fez o seguinte comentário a seus discípulos: "Um rico dificilmente entrará no reino dos céus." Esta conversação se realizava em idioma aramaico, a língua que o povo comum da Palestina empregava séculos antes e depois do nascimento de Cristo. Muitos comentaristas eminentes afirmam que os evangelhos foram no princípio escritos em dito idioma e daí traduzidos para o grego.
O Dr. Jorge M. Lamsa explica que a palavra aramaica gamla pode significar uma corda grossa, um camelo ou uma viga, e afirma que a palavra camelo é uma tradução errada, primeiro do aramaico para o grego e posteriormente para outras línguas, entre elas o português. Acrescenta o Dr. Lamsa que o que o Senhor Jesus quis dizer foi o seguinte: "Mas eu vos digo, que trabalho mais leve é passar uma corda grossa pelo fundo de uma agulha, que entrar um rico no reino dos céus." Estas palavras soam mais razoáveis que a costumeira explicação, segundo a qual, depois que as portas da cidade se fechavam, o camelo poderia passar por uma abertura muito menor na muralha, porém tinha que deixar sua carga, e depois ajoelhar-se. Trata-se de uma formosa ilustração do que deve fazer o jovem rico; mas surge a pergunta se isso realmente é o que o Senhor queria dizer ou não? O versículo 26 indica que Jesus quis dizer que se tratava de uma impossibilidade. Pouco antes o Senhor havia dito: "Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino de céus" (Mateus 18:3). Trata-se aqui de outro paradoxo, similar ao anterior. Ambos os ditos são contrários à opinião comum, e por esta razão se denominam paradoxos. A crença geral era que os ricos e os que ocupavam posig6es elevadas estavam mais seguros do céu. Com respeito às riquezas, o Dr. H. A. W. Meyer faz o seguinte comentário: "O perigo de não alcançar a salvação por causa das riquezas não reside nestas, consideradas em si mesmas, mas na dificuldade que tem o homem pecador de colocar essas riquezas à disposição de Deus." (1 Cor. 1:26-26.)
(h) Os exemplos acima mencionados foram tomados das palavras de Jesus. Podem-se obter outros numerosos exemplos nas Sagradas Escrituras. Temos aqui um do apóstolo Paulo que diz: "Porque quando sou fraco, então é que sou forte." Isto é, débil ou fraco em mim mesmo, mas poderoso ou forte no Senhor e em sua fortaleza, tal como o estabelece com clareza o contexto. (2 Cor. 12:10; Efésios 6110).

PERGUNTAS
1. Que é provérbio? 2. Que é acróstico? 3. Que é paradoxo?
Dê exemplos de cada um deles.

HEBRAÍSMOS

Por hebraísmos entendemos certas expressões e maneiras peculiares do idioma hebreu que ocorrem em nossas traduções da Bíblia, que originalmente foi escrita em hebraico e em grego. Como já dissemos, alguns conhecimentos destes hebraísmos são necessários para poder fazer uso devido de nossa primeira regra de interpretação.
Exemplos: 1° - Era costume entre os hebreus chamar a uma pessoa filho da coisa que de um modo especial a caracterizava, de modo que ao pacífico e bem disposto se chamava filho da paz; ao iluminado e entendido, filho da luz; aos desobedientes, filhos da desobediência, etc. (Veja-se Luc. 10:6; Efés. 2:2; 5:6 e 5:8.)
2° - As comparações eram expressas às vezes, mediante negações, como, por exemplo, ao dizer Jesus: "Qualquer que a mim me receber, não recebe a mim, mas ao que me enviou", o que equivale à nossa maneira de dizer: O que me recebe, não recebe tanto a mim, quanto ao que me enviou; ou não somente a mim, mas também ao que me enviou." Devemos interpretar da mesma maneira quando lemos: "Não procuro (somente) a minha própria vontade, e, sim, a daquele que me enviou; trabalhai, não (só) pela comida que perece mas pela que subiste para a vida eterna; não mentiste (somente) aos homens, mas a Deus; não me enviou Cristo (tanto) para batizar, mas (quanto) para pregar o evangelho; nossa luta não é contra o sangue e a carne (somente), e, sim, contra os principados . . . contra as forças espirituais do mal", etc. (Mar. 9:37; João 5:30; 6:27; Atos 5:4; 1 Cor. 1:17; Efésios 6:12.)
Como já dissemos em outra parte, o amar e aborrecer eram usados para expressar a preferência de uma coisa a outra; assim é que ao ler, por exemplo: "Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú", devemos compreender: preferi Jacó a Esaú. (Rom. 9:13; Deut. 21:15; João 12:25; Luc. 14:26; Mat. 10:37).
3° - Às vezes os hebreus, apesar de se referirem tão-somente a uma pessoa ou coisa, mencionavam várias para indicar sua existência e relação com a pessoa ou coisa a que se referiam, como, por exemplo, ao dizer: "A arca repousou sobre as montanhas de Ararat", o que equivale a dizer que repousou sobre um dos montes Ararat. Do mesmo modo que, ao lermos em Mateus 24:1 que "se aproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo", sabemos que um deles (como intérprete do sentimento dos outros) lhe mostrou os edifícios do templo; e ao dizer (Mateus 26:8) que "indignaram-se os discípulos (pela perda do ungüento), dizendo: para que este desperdício?", sabemos por João que foi um deles, a saber: Judas, que sem dúvida, expressando o pensamento dos demais, disse; "Para que este desperdício?" Ao dizer também. Lucas que os soldados chegaram-se a Jesus, apresentado-lhe vinagre na cruz, vimos por Mateus que foi um deles que realizou o ato. (Gên. 8:4; Juízes 12:7; Mateus 24:1; Marcos 13:1; Lucas 23:36; Mateus 27:48.)
4° - Com freqüência usavam os hebreus o nome dos pais para denotar seus descendentes, como, por exemplo, ao dizer-se (Gên. 9:25): "Maldito seja Canaã", em lugar dos descendentes de Canaã (excetuando-se, é claro, os justos de seus descendentes). Muitas vezes usa-se também o nome de Jacó ou Israel para designar os israelitas, isto é, os descendentes de Israel. (Gên. 49:7; Salmo 14:7; 1 Reis 18,17,18.)
5° - A palavra "filho" usa-se, às vezes, como em quase todos os idiomas, para designar um descendente mais ou menos remoto. Assim é que o sacerdotes, por exemplo, se chamam filhos de Levi; Mefibosete se chama filho de Saul, embora, em realidade fosse seu neto; do mesmo modo Zacarias se chama filho de Ido, sendo seu pai Berequias, filho de Ido. E assim como "filho" se usa para designar um descendente qualquer, do mesmo modo a palavra "pai" se usa às vezes para designar um ascendente qualquer. Às vezes "irmão" se usa também quando somente se trata de um parentesco mais ou menos próximo; assim, por exemplo, chama-se Ló irmão de Abraão, embora em realidade fosse seu sobrinho. (Gên 14:12-16.) Tendo presentes tais hebraísmos, desaparecem contradições aparentes. Em 2 Reis 8:26, por exemplo, se chama a Atalia, filha de Onri, e no verso 18, filha de Acabe, sendo em realidade filha de Acabe e neta de Onri.
Além dos hebraísmos referidos, ocorrem outras singularidades na linguagem bíblica, certos quase-hebraísmos, que precisamos conhecer para a correta compreensão de muitos textos. Referimo-nos ao uso peculiar de certos números, de algumas palavras que expressam fatos realizados ou supostos e de vários nomes próprios.
Exemplos: 1° Certos números determinados usam-se às vezes em hebraico para expressar quantidades indeterminadas.
"Dez", por exemplo, significa "vários", como também este número exato. (Gên. 31:7; Daniel 1:20.)
"Quarenta" significa "muitos". Persépolis era chamada "a cidade das quarenta torres", embora o numero delas fosse muito maior. Tal é, provavelmente, também o significado em 2 Reis 8:9, onde lemos que Hazael fez um presente de 40 cargas de camelos de bens de Damasco a Eliseu. Talvez seja este também o significado em Ezequiel 29:11-13.
"Sete" e "setenta" se usam para expressar um número grande e completo, ainda que indeterminado. (Prov. 26:16,25; Salmo 119:164; Lev. 26:24). É-nos ordenado perdoar até setenta vezes sete para dar-nos a compreender que, se o irmão se arrepende, devemos sempre perdoar-lhe. Os sete demônios expulsos de Maria denotam, talvez, seu extremado sofrimento e ao mesmo tempo sua grande maldade.
2° - Às vezes usam-se números redondos nas Escrituras para expressar quantidades inexatas. Em Juízes 11:26 vemos, por exemplo, que se coloca o número redondo de 300 por 293. Compare-se também cap. 20:46, 35.
3° - Às vezes faz-se uso peculiar das palavras que expressam ação, dizendo-se de vez em quando que uma pessoa faz uma coisa, quando só a declara feita; quando profetiza que se fará, se supõe que se fará ou considera feita. Às vezes manda-se também fazer uma coisa quando só se permite que se faça.
Em Lev. 13:13 (no original), por exemplo, diz-se que o sacerdote limpa o leproso, quando apenas o declara limpo. Em 2 Cor. 3:6 lemos que "a letra (significando, a lei) mata", quando na realidade só declara que o transgressor deve morrer.
Em João 4:1,2, diz-se que "Jesus" batizava mais discípulos que João, quando só ordenava que fossem batizados, pois em seguida lemos: "(se bem que Jesus mesmo não batizava, e, sim, os seus discípulos.)" Lemos também que Judas "adquiriu um campo com o preço da iniqüidade", embora só fosse proveniente dele, entregando aos sacerdotes o dinheiro com que compraram dito campo. (Atos 1:16-19; Mateus 27:4-10). Assim compreendemos também em que sentido consta que "o Senhor endureceu o coração de Faraó", ao mesmo tempo que lemos que Faraó mesmo endureceu seu coração; isto é, que Deus foi causa de seu endurecimento oferecendo-lhe misericórdia com a condição de ser obediente, porém se endureceu ele mesmo, resistindo à bondade oferecida. (Êxodo 8:15; 9:12; compare-se Rom. 9:17.)
Ao dizer o Senhor ao profeta Jeremias (1:10): "Hoje te constituo. . . para arrancares . . . para destruíres e arruinares", etc., não o colocou Deus para executar estas coisas, mas para profetizá-las ou proclamá-las. Neste sentido também Isaías teve de tornar "insensível o coração deste endurece-lhes os ouvidos e fecha-lhes os olhos" (Isaías 6:10).
Como prova de que o idioma hebraico expressa em forma de mandamento positivo o que não implica mais que uma simples permissão, e nem sequer consentimento, de fazer uma coisa, temos em Ezequiel 20:39, onde diz o Senhor: "Ide; cada um sirva os seus ídolos agora e mais tarde", dando-se a compreender linhas adiante que o Senhor não aprovava tal conduta. O mesmo acontece no caso de Balaão o dizer-lhe Deus: "Se aqueles homens (os príncipes do malvado Balaque) vierem chamar-te, levanta-te, vai com eles; todavia, farás somente o que eu te disser"; dizendo-nos o contexto que aquilo não era mais que uma simples permissão de ir e fazer um mal que Deus absolutamente não queria que o profeta o fizesse. (Núm. 22:20.) Caso semelhante temos provavelmente nas palavras de Jesus a Judas, quando lhe disse: "O que retendes fazer, faze-o depressa" (João 13:27).
4° - Na interpretação das palavras das Escrituras, é preciso ter presente também que se faz uso mui singular dos nomes próprios, designando-se às vezes diferentes pessoas com um mesmo nome, diferentes lugares com um mesmo nome e uma mesma pessoa com nomes diferentes.
Pessoas diferentes designadas com um mesmo nome. Faraó, que significa regente, era o nome comum de todos os reis do Egito desde o tempo de Abraão até à invasão dos persas, mudando-se depois o nome de Faraó pelo de Ptolomeu. Abimeleque, que significa meu pai e rei, parece haver sido o nome comum dos reis dos filisteus, como Agague, o dos reis dos amalequitas e Ben-Hadade dos sírios e o de César dos imperadores romanos. César Augusto (Lucas 2:1) que reinava ao nascer Jesus, era o segundo que levava este nome. O César que reinava ao ser crucificado Jesus, era Tibério. O imperador para o qual apelou Paulo e a quem tanto se chamava Augusto como César, era Nero. (Atos 25:21). Os reis egípcios e filisteus parecem ter tido um nome próprio além do comum, como os romanos. Assim é que lemos, por exemplo, de um Faraó Neco, do Faraó Ofra e de Abimeleque Aquis. (Veja-se o prefácio ao Salmo 34; 1 Samuel 21:11.)
No Novo Testamento se conhecem diferentes pessoas sob o nome de Herodes. Herodes o Grande, assim chamado na história profana, foi quem, sendo já velho, matou as crianças em Belém. Morto este, a metade de seu reino, Judéia e Samaria inclusive, foi dada a seu filho Arquelau; a maior parte da Galiléia, a seu filho Herodes o Tetrarca, o rei (Lucas 3:1; Mateus 2:22); e outras partes da Síria e Galiléia a seu terceiro filho Filipe Herodes. Foi Herodes o Tetrarca quem decapitou a João Batista e zombara de Jesus em sua paixão. Ainda outro rei Herodes, a saber, o neto do cruel Herodes o Grande, matou ao apóstolo Tiago, morrendo depois abandonado em Cesaréia. Foi diante do filho deste assassino de Tiago, chamado Herodes Agripa, que Festo fez Paulo comparecer. O caráter deste rei era muito diferente do de seu pai, e não confundi-los é de importância para a correta compreensão da História. Levi em Marcos 2:14 é o mesmo que Mateus. Tomé e Dídimo são uma mesma pessoa. Tadeu, Lebeu e Judas são os diferentes nomes do apóstolo Judas. Natanael e Bartolomeu são também os nomes de uma mesma pessoa.
Lugares diferentes designados com um mesmo nome. Duas cidades chamam-se Cesaréia, a saber Cesaréia de Filipe, na Galiléia, e Cesaréia situada na costa do Mediterrâneo. A esta última, porto de mar e ponto de partida para os viajantes, que saíam da Judéia para Roma, refere-se constantemente o livro dos Atos.
Também se mencionam duas Antioquias: a da Síria, onde Paulo e Barnabé iniciaram seus trabalhos e onde os discípulos pela primeira vez foram chamados de cristãos; e a da Pisídia, à qual se faz referência em Atos 13:14 e em 2 Tim. 3:11.
Também há vários lugares chamados Mispa no Antigo Testamento como o de Galeede, de Moabe, o de Gibeá e o de Judá. (Gên. 31:47-49; 1 Sam. 22:3; 7:11; Josué 15:38).
Um mesmo nome que designa a uma pessoa e a um lugar. Magogue, por exemplo, é o nome de um filho de Jafé, sendo também o nome do país ocupado pela gente chamada Gogue, provavelmente os antigos citas, hoje chamados tártaros (Ezeq. 38; Apoc. 20:8), dos quais descendem os turcos.
Uma mesma pessoa e um mesmo lugar, com nomes diferentes. Horebe e Sinai são nomes de diferentes picos de uma mesma montanha, Porém às vezes um ou outro destes nomes designa a montanha inteira.
O lago de Genesaré chamava-se antigamente Mar de Cinerete, depois Mar da Galiléia ou Mar de Tiberíades. (Mateus 4:18; João 21:1.) A Abissínia moderna se chama Etiópia e às vezes Cuxe, designando este último nome, sem dúvida, a maioria das vezes, Arábia ou Índia, Grécia chama-se tanto Javã como Grécia. (Isaías 66:19; Zac. 9:13; Dan. 8:21.) Egito chama-se às vezes, Cão, outras Raabe. (Salmo 78:51; Isaías 51:9.)
O Mar Morto se chama às vezes Mar da Planície, por ocupar a planície onde estavam as cidades de Sodoma e Gomorra; Mar do Este, em função de sua posição para o Leste, contando desde Jerusalém, e ainda Mar Salgado. (2 Reis 14:25; Gên. 14:3; Josué 12:3).
O Nilo chama-se Sibor, porém com mais freqüência o Rio, cujos nomes também às vezes designam outros rios.
O Mediterrâneo se chama às vezes o Mar dos Filisteus, que viviam em suas costas; outras, Mar Ocidental; outras, e com mais freqüência, Mar Grande. (Êxodo 23:31; Deut. 11:24; Num. 34:6,7).
A Terra Santa chama-se Canaã, Terra de Israel, Terra de Judéia, Palestina, Terra dos Pastores e Terra Prometida. (Êxodo15:15; 1 Sam. 13:19; Hebr. 11:9.)
Um cuidadoso conhecimento do referido uso peculiar dos nomes próprios não só favorece a correta compreensão das Escrituras em geral, como faz desaparecer virias contradições que a ignorância encontra em diferentes passagens bíblicas.

PERGUNTAS

1. Que se entende por hebraísmos?
2. Que hebraísmos se explicam nos exemplos 1 a 5?
3. Que são os "quase-hebraísmos"?
4. Como se usam às vezes os números, as palavras que expressam ação, os nomes de pessoas e lugares?
Dedique-se bastante tempo a esta lição, até familiarizar-se com todos os seus detalhes.

PALAVRAS SIMBÓLICAS

A linguagem simbólica oferece muita dificuldade no estudo das Escrituras. Porém, ainda quando nos tenhamos de limitar à explicação defeituosa de algumas palavras, cremos que se ganhará algo recapitulando e familiarizando-se com as seguintes:
Abelha, símbolo dos reis da Assíria (Isaías 7:18), os quais em seus escritos profanos (hieróglifos) também são representados por esta figura; às vezes simboliza também, de um modo geral, um poder invasor e cruel. (Deut. 1:44; Salmo 118:12.)
Adultério, infidelidade, infração do pacto estabelecido e conseqüente símbolo da idolatria, especialmente entre o povo que tem conhecido a verdade. (Jer. 3:8,9; Ezeq. 23:37; Apoc. 2:22.)
Águia, poder, vista penetrante, movimento no sentido mais elevado. (Deut. 32:11,12.)
Alfarroba, palha, nulidade, juízo do mal.
Âncora, esperança (Heb. 6:19.)
Arca, Cristo. (1 Ped. 3:20, 21; Heb. 11:7.)
Arco, símbolo de batalha e de vitória (Apoc. 6:2); às vezes também de engano, porquanto se pode quebrar ou atirar o falso. (Os. 7:16; Jer. 9:3.)
Árvores, as altas, símbolo de governantes. (Ezeq. 31:5-9); as baixas, símbolo do povo comum. (Apoc. 7:1; 8:7.)
Azeite, fortaleza pela unção, dai a vida e força que infunde o Espírito de Deus (Tiago 5:14.) Azul, o celeste, o céu. (Ester 8:15.) Babilônia, símbolo de um poder idólatra que persegue as igrejas de Cristo, referindo-se de um modo particular ao poder romano, pagão e papal. (Isaías 47:12; Apoc. 17:13; 18:24.)
Balança, símbolo de trato integro e justo. (Jó 31:6.) Tratando-se da compra de viveres, simboliza a escassez. (Lev. 26:26; Ezeq. 4:16; Apoc. 6:5.)
Berilo, prosperidade, magnificência. (Ezeq. 1:16; 28:13.)
Besta, símbolo de um poder tirano e usurpador, porém às vezes só de um poder temporal qualquer. (Dan. 7:3,17; Ezeq. 34:28.)
Bode, veja Macho caprino.
Boi, submissão.
Bosque, símbolo de cidade ou reino, representando suas árvores altas os regentes ou governadores. (Isaías10:17-34; 32:19; Jer. 21:14; Ezeq. 20:46).
Braço, símbolo de força e poder; braço nu e estendido significa o poder em exercício. (Salmo 10:15; Isa. 52:10; Salmo 98:1; Êxodo 6:6.) Cabras, símbolos dos maus em geral. (Mat. 25:32, 33.)
Cadeia, escravidão. (Mar. 5:4.)
Calcedônia, pureza.
Cálice, símbolo de luxúria provocante. (Apoc. 17:1), também de ritos idólatras. (1 Cor. 10:21) e também da porção que cabe a alguém. (Apoc. 14:10; 19:6.)
Cana, fragilidade humana. (Mat. 12:20.)
Cão, símbolo de impureza e apostasia. (Prov, 26:11; Fil. 3:2; Apoc. 22:15); também de vigilância. (Isa. 56:10.)
Carneiro, símbolo dos reis em geral e especialmente do rei persa. (Dan. 8:3-7, 20.)
Carro, símbolo do governo ou proteção. (2 Reis 2:12.) Crê-se que Isaías 21:7 se refere a Ciro e Dario, e Zac. 6:1 a quatro grandes monarquias, enquanto os carros de Deus no Salmo 68:17 e Isaías 66:15 designam as hostes do céu.
Casamento, símbolo de união e fidelidade no pacto ou aliança com Deus e por conseguinte da perfeição. (Isaías 54:1-6; Apoc.19:7; Efés. 5:23-32.)
Cavalo, símbolo de equipamento de guerra e de conquista (Zac. 10:3); símbolo também da rapidez (Joel 2:4); ir a cavalo ou "subir sobre as alturas", designa domínio (Deut. 32:13; Isa. 58:14.)
Cedro, força perpetuidade. (Salmo 104:16.)
Cegueira, incredulidade. (Rom. 11:25.)
Céu e terra, usa-se esta expressão num triplo sentido: 1° - invisível e moral; 2° - visível e literal; 3° - político. Usando-se em sentido político, céu simboliza os regentes, terra o povo, os dois juntos formando um reino ou um estado. (Isa. 51:15, 16; 65:17; Jer. 4:23, 24; Mat. 24:29.)
Cair do céu é perder a dignidade ou autoridade; céu aberto indica uma nova ordem no mundo político; uma porta aberta no céu indica o princípio de um novo governo. (Hab. 2:6-22.) O sol, a lua e as estrelas simbolizam as autoridades superiores e secundárias. (Isa. 24:21,23; Joel 2:10; Apoc. 12:1.)
Chave, símbolo de autoridade, do direito de abrir e fechar. (Isa. 22:22; Apoc.1.18; 3:7; 20:1.)
Chuva, influência divina (Tiago 5:7.)
Cinturão, apertado, pronto para o serviço; frouxo, repouso.
Cinzas, tristeza, arrependimento. (Jó 42:6; Dan. 9:3.)
Cobre, (metal, bronze), símbolo de endurecimento. (Isa. 48:4; Jer. 6:28); também de força e firmeza. (Salmo 107:16.)
Comer, símbolo da meditação e participação da verdade. (Isa. 55:1, 21); símbolo também dos resultados de conduta observada no passado. (Ezeq. 18:2); símbolo ainda da destruição da felicidade ou propriedade de alguma pessoa. (Apoc. 17:16; Salmo 27:2.)
Cores, preto, símbolo de angústia e aflição (Jó 30:30; Apoc. 6:5-12); amarelado, símbolo de enfermidade mortal (Apoc. 6:8); vermelho, de derramamento de sangue ou de vitória (Zac. 6:2; Apoc. 12:3), ou do que não se pode apagar (Isa. 1:18); branco, de formosura e santidade (Ecl. 9:8; Apoc. 3:4); branco e resplandecente era a cor real e sacerdotal entre os judeus, como a púrpura entre os ramons.
Corno, símbolo de poder. (Deut. 33:17; 1 Reis 22:11; Miq. 4:13); símbolo também de dignidade real (Dan 8:9; Apoc. 13.1.) Os cornos do altar constituíam um refúgio seguro. (Êxodo 21:14.)
Coroa (diadema), símbolo de autoridade conferida (Lev. 8:9) também de autoridade imperial e de vitória. (Apoc. 19:12.)
Crisólito, glória manifesta.
Crisópraso, paz que sobrepuja todo entendimento. (Apoc. 21:20.)
Crocodilo ou dragão, símbolo do Egito, e em geral de todo poder anticristão. (Isa. 27:1; 51:9; Ezeq. 29:3; Apoc. 12:3; 13:1.)
Cruz, sacrifício. (Col. 2:14.)
Dez, simboliza a plenitude, ou completo. (Mateus 18:24.)
Egito, símbolo de um poder orgulhoso e perseguidor, como Roma. (Apoc. 11:8.)
Embriaguez, símbolo da loucura do pecado (Jer. 51:7); e da estupidez produzida pelos juízos divinos. (Isa. 29:9.)
Enxofre, símbolo de tormentos. (Jó 18:15; Salmo 9:6; Apoc.14.10; 20:10).
Escarlata, sendo cor de sangue, a vida. (Isa. 1:18.)
Esmeralda, esperança.
Espinhos, abrolhos e roseiras bravas, más influências.
Ferro, severidade. (Apoc. 2:27.)
Filha, povoação, como se esta fora mãe.
Fogo, símbolo da Palavra de Deus (Jer. 23:29; Hab. 3:5); símbolo também de destruição (Isa. 42:25; Zac. 13:9); de purificação (Mal. 3:2); de perseguição (1 Pedro 1:7); de castigo e sofrimento (Mar. 9:44.)
Fronte, denota, segundo a inscrição ou sinal que leva, um sacerdote (Lev. 8:9); um servo ou um soldado (Apoc. 22:4). Os servidores dos ídolos levavam igualmente, como hoje, um sinal, um nome ou um numero em sua testa. (Apoc. 13:16).
Fruto, manifestações das atividades da vida. (Mateus 7:16.)
Harpa, símbolo de gozo e de louvor (Salmo 49:4; 33:2; II Crôn. 20:28; Isaías 30:32; Apoc.14:1,2).
Hissopo, purificação. (Salmo 51:7.)
Incenso, símbolo de oração (queimava-se. com fogo tomado do altar dos perfumes). (Salmo 141:2; Apoc. 8:4; Mal. 1:11.)
Jacinto e Ametista, promessas de glórias futuras.
Jaspe, paixão, sofrimento.
Lâmpada (candelabro, símbolo de luz, gozo, verdade e governo) (Apoc. 2:5). Em 1 Reis11:36, indica-se com a existência da "lâmpada sempre", que a Davi nunca faltará sucessor. (Salmo 132:17.)
Leão, símbolo de um poder enérgico e dominador. (2 Reis 23:33; Am6s 3:8; Dan. 7:.4; Apoc. 5:5.)
Leopardo (tigre), símbolo de um inimigo cruel e enganoso. (Apoc. 13:2; Daniel 7:6; Isa. 11:6; Jer. 5:6; Hab, 1:8.)
Lepra, pecado asqueroso. (Isa, 1:6.) Lírio, formosura, pureza.
Livro, o livro do testemunho entregue ao rei simbolizava a inauguração do reino (2 Reis, 11:2); um livro escrito por dentro e por fora, símbolo de uma longa série de acontecimentos; um livro selado, símbolo de segredos; comer um livro, símbolo de um estudo sério e profundo (Jer. 15:16; Apoc. 10:9); o livro de vida, memória em que estão os redimidos (Esd. 2:62; Apoc. 3:5); um livro aberto, símbolo do princípio de um juízo. (Apoc. 20:12.)
Luz, conhecimento, gozo. (João 12:35.)
Macho caprino (bode), símbolo dos reis macedônios, especialmente de Alexandre (Dan. 8:5-7).
Mãe, símbolo do produtor de alguma coisa (Apoc. 17:5, como por exemplo, de uma cidade cujos habitantes se chamam seus filhos (2 Sam. 20:19; Isa. 49:23); de uma cidade central, cujos povoados satélites se consideram suas filhas (Isa. 50:1; Os. 2:2,5); símbolo também da Igreja do Novo Testamento. (Gil. 4:26.)
Maná, símbolo de alimento espiritual e imortal. (Apoc. 2:17; veja-se Êxodo 16:33,34.)
Mãos, símbolo de atividade. Dai mãos limpas, mãos cheias de sangue indicam feitos correspondentes, puros ou sangrentos. (1 Tim. 2:8; Isa. 1:15.) Lavar as mãos, significa expiação de culpa ou protesto de inocência de culpa. (1 Cor. 6:11; 1 Tim. 2:8.) Mão direita, símbolo de posto de honra. (Mar. 16:19.) Dar as destras, símbolo de participação de direitos e bênçãos. (Gál. 2:9.) Dar a mão, equivale a render-se. (Salmo 68:31; 2 Crôn. 30:8.) Levantar a destra, era sinal de juramento. (Gên. 14:22; Dan. 12:17.) Marcas nas mãos, símbolo de servidão e idolatria. (Zac. 13:6.) As mãos postas sobre a cabeça de alguém, símbolo de submissão de bênção, de autoridade ou de culpa. (Gên 48:14-20; Dan. 10:10.) Mãos de Deus, postas sobre um profeta, indica influência espiritual (1 Reis 18:46; Ezeq. 1:3; 3:22); o dedo indica influência menor; o braço, influência maior.
Medir (partir, dividir), símbolo de conquista e possessão. (Isa. 53.12; Zac. 2:2; Am6s 7:17.)
Montanha, símbolo de grandeza e estabilidade. (Isa. 2:2; Dan. 2:35.)
Morte, separação, separação de Deus, insensibilidade espiritual. (Gál. 3:3; Rom. 5:6; Mat. 8:22; Apoc. 3:1.)
Olhos, símbolo de conhecimento, também de glória, de fidelidade (Zac. 4:10), e de governo. (Núm. 10:31.) Olho maligno significa inveja. Olho bom, liberalidade e misericórdia.
Ouro, realeza e poder. (Gên. 41:42.)
Palmeira, palmas, realeza, vitória, prosperidade.
Pão, pão da vida, Cristo; alimento; meio de subsistência espiritual. (João 6:35.)
Pedras preciosas, símbolo de magnificência e formosura. (Apoc. 4:3, 21; Êxodo 28:17; Ezeq. 28:13.)
Peixes, símbolo de governadores das gentes. (Ezeq. 29:4, 5; Hab. 1:14.)
Pó, fragilidade do homem. (Ecles. 3:20; Jó 30:19.)
Pomba, influência suave e benigna do Espírito de Deus. (Mat. 3:16.)
Porco, impureza e gula. (Mat. 7:6.)
Porta, sede do poder; poder (João 10:9.)
Primogênitos, estes tinham autoridade sobre seus irmãos menores; eram os sacerdotes da família, e consagrando-se a Deus, santificavam sua família por esta consagração; cabia-lhes porção dobrada na herança. Simbolizam de certo modo a Cristo. (Gên. 20:37; Êxodo 24:5; 13:1, 13; Deut. 21:17; Heb. 2:10, 11; 3:1; Col. 1:12.)
Púrpura, o real, o romano. (Dan. 5:7; Apoc. 17:4.)
Querubins, símbolo, crêem alguns, da glória soberana de Deus; no Apocalipse, dos redimidos; segundo outros, das perfeições de Deus, manifestas sob suas diversas formas. (Veja-se Gên. 3:24; Êxodo 25:18, 22; 37:7, 9; Lev.16:2; Núm. 7:8, 9; 1 Reis 6:23; 8:7; 2 Crôn. 3:10, 13; Ezeq. 1:10.)
Ramos, ou rebentos, símbolo de filho ou descendentes.
Raposa, engano, astúcia. (Lucas 13:32.)
Rãs, símbolo de inimigos imundos e impudicos. (Apoc, 16:13.) Rocha, fortaleza, abrigo, refúgio.
Safira, verdade.
Sal, conservação, incorrupção, permanência.
Sangue, vida. (G%n. 9:4.) Sardônica, amor, ternura, pena, purificação.
Sega, época da destruição. (Jer. 5:33; Isa, 17:5; Apoc. 14:14-18). A sega (messe) é também símbolo do campo para os trabalhos da Igreja. (Mat. 9:37.)
Sete, número, por assim dizer, divino; a soma de três que simboliza a Trindade e quatro que simboliza o Reino de Deus na terra, e portanto, a união do finito e o infinito. O Deus-Homem, por exemplo, se representa pelos sete candelabros de ouro. Este número ocorre com muita freqüência na Escritura. (Apoc. 4:5.)
Terremoto, símbolo de agitação violenta no mundo político e social. (Joel 2:10; Ageu 2:21; Apoc. 6:12.)
Topázio, alegria do Senhor.
Touro, (novilho), símbolo de um inimigo forte e furioso. (Salmo 22:12; Ezeq. 39:18.) Novilhos indicam o povo comum, e os estábulos, casas e povoações. (Jer. 50:27.)
Trombeta, sinal precursor de acontecimentos importantes. (Apoc. 6:6.)
Urso, símbolo de um inimigo cegado, feroz e temerário. (Prov.17:12; Isa. 11:7; Apoc. 13:2.)
Uvas, as maduras, símbolo de gente madura para o castigo (Apoc. 14:18); as recolhidas, símbolo de gente levada em cativeiro. (Jer. 52:28-32.)
Vento, impetuoso, símbolo de conturbação; detido, símbolo de tranqüilidade. (Apoc. 7:1; Jer. 25:31, 33.)
Vestiduras, denotam qualidades interiores e morais; vestiduras brancas, símbolo de pureza, de santidade e de felicidade. (Isa. 52:1; Apoc. 3:4; Zac. 3:3.) Dar as vestiduras a alguém era sinal de favor e amizade. (l Sam. 17:38.)
Véu, do templo, corpo de Cristo. (Heb. 10:20.)
Vinha, símbolo de grande fecundidade; vindima, símbolo de destruição. (Jer. 2:21; Os. 14:7; Apoc. 14:18, 19.)
Virgens, símbolo de servos fiéis que não se mancharam com a idolatria. (Apoc. 14:4.)
Lembramos que só se deve fazer uso destas interpretações no caso de usar-se as palavras aclaradas em sentido simbólico, coisa que sempre se descobre mediante as regras explicadas nas páginas anteriores deste livro.

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