quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A REFORMA E SEU IMPACTO SOCIAL


A REFORMA E SEU IMPACTO SOCIAL


Franklin Ferreira


Cada geração de cristãos deve ter o firme compromisso de basear sua fé somente na Palavra de Deus: "a igreja reformada deve estar sempre se reformando". Este é um dos importantes princípios formulados pelos reformadores do século XVI, e nos ensina que a igreja não deve ficar inventando novidades, mas pregar e ensinar tão somente o puro e claro evange-lho de Cristo. No dia 31 de outubro celebramos a data em que, em 1517, Martinho Lutero afixou na porta da Igreja do Castelo, em Wittemberg, suas famosas "95 Teses", começando a Reforma Protestante. Só que ela não se restringiu apenas à Alemanha. E seu impacto também não se restringiu às grandes questões teológicas que estavam sendo debatidas, mas buscou de igual forma responder aos grandes problemas sociais daquela época.
Alguns Eventos Importantes Desta ÉpocaPara esboçar a Reforma, podemos sugerir os seguintes como alguns dos eventos importantes:
1517: Lutero pregou as 95 teses na porta da Igreja Castelo.1520: Lutero publica três livros importantes: A Liberdade do Homem Cristão; O Cativeiro Babilônico da Igreja; e Uma Carta Aberta à Nobreza Cristã.1521: Excomunhão de Lutero; ele recusa negar suas crenças diante a Dieta de Worms; ele queima a bula do Papa.1522: Lutero, no exílio, faz uma tradução do Novo Testamento em Alemão, e, depois, volta para orientar a reforma em Wittemberg.1523: Sob a pregação de Zwinglio, a cidade de Zurique abraça a Reforma.1529: A Dieta de Spira declara a Reforma fora da lei; os príncipes evangélicos protestam (a origem do nome "protestantes" ).Lutero e Zwinglio encontram-se em Marburg, mas não concordam sobre a ceia do Senhor.1531: Zwinglio morreu na Guerra de Cappel.1534: Henrique VIII declara a si mesmo cabeça da Igreja da Inglaterra.1536: A primeira edição das Institutas da Religião Cristã de Calvino.1537: Menno Simmons é ordenado bispo anabatista.1541: Calvino começa a Reforma em Genebra.1545: O início do Concílio de Trento.1546: Morte de Lutero.1559: O Ato de Uniformidade na Inglaterra estabelece a Igreja Anglicana como uma via média entre o Catolicismo e o Calvinismo.Volta de John Knox para a Escócia.1564: Morte de Calvino.
1. MARTINHO LUTERO
Poucos se esforçaram mais que Martinho Lutero para diminuir o abismo entre a fé salvado-ra e a ação social. O desejo de agir em prol dos necessitados apareceu resumidamente nas "95 teses", onde Lutero argumentou que é melhor dar aos pobres e emprestar às necessita-das que comprar indulgências. Esta medida serviu para providenciar uma verba para o sus-tento dos pobres e ao mesmo tempo estimular o envolvimento da população na assistência social em Wittemberg.
A ênfase do entendimento social de Lutero era para que os necessitados fossem amparados. Para ele, o cristão justificado se torna livre para poder, através da fé, viver uma vida de serviço decorrente do amor a Deus. O crente justificado deve pensar como Lutero: "Me [entregarei] ao meu próximo como Cristo se ofereceu por mim; farei nada por meu próximo nesta vida senão o que reconheço como sendo necessário, edificador e saudável, porque pela fé gozo uma abundância de todas as coisas em Cristo". A ação social é decorrente de uma mudança baseada na liberdade da justificação pela graça por meio da fé. O resultado será um novo compromisso moral com a sociedade.
O exemplo que Lutero deixou é simples: o cristão deve viver uma vida onde seu amor por Deus seja espontâneo, não visando qualquer recompensa material ou espiritual, mas sim-plesmente com o objetivo de fazer a vontade de Deus, pois a vida cristã consiste "em tudo querer o que Deus quer, buscar a glória de Deus e nada desejar para si, pois é no cuidado pelos mais fracos e desamparados que Deus é glorificado" .
Prédica para que se mandem os filhos à escola (1530): "[O pregador atua] em favor das almas, livrando-as do pecado, da morte e do diabo. No entanto, ele também realiza tão-somente grandes e imponentes obras em favor do mundo: ensina e instrui todas as categorias sociais como se devem conduzir exteriormente em seus cargos e posições, para agirem com justiça perante Deus. Pode consolar os tristes, aconselhar, intermediar em casos de conflito, reconciliar consciências confusas, ajudar a manter a paz, a reconciliar, a viver em harmonia e inúmeras obras mais diariamente. Pois um pregador confirma, fortalece e ajuda a preservar a autoridade, toda a paz secular, resiste aos sediciosos, ensina obediência, bons costumes, disciplina e honra; instrui pai, mãe, filhos, empregados, em suma, a cada qual em sua função e estado secular. (...) Para dizer a verdade, a paz temporal (...) é, no fundo, um fruto do ministério da pregação". Debata com a classe o importante papel dos pregadores numa reforma teológica e social.
2. FILIPE MELANCHTHON
Um dos mais importantes amigos e colaboradores de Lutero foi Filipe Melanchthon. Este erudito lançou os fundamentos da escola elementar popular. O que guiava sua perspectiva do ensino era que "alguns não ensinam absolutamente nada das Sagradas Escrituras; alguns não ensinam às crianças nada além das Sagradas Escrituras; ambos os quais não se deve tolerar".
Em 1528, seus "Artigos de Visitação" para as escolas foram promulgados como lei na Sa-xônia, e sua obra como educador público passou a ser uma dimensão adicional em sua vida. Ele propôs a divisão dos estudantes em três classes, divididas em faixas etárias. Na primeira divisão, as crianças estudavam o alfabeto, a oração do Pai Nosso e o Credo dos Apóstolos. Na segunda divisão, eram estudados pelos adolescentes o Decálogo, o Credo e o Pai Nosso. Os Salmos mais fáceis (112, 34, 128, 125, 133) deveriam ser decorados, assim como deve-riam ser estudados o Evangelho de Mateus, as epístolas de Paulo a Timóteo, a primeira epístola de João e os Provérbios de Salomão. Tudo isto lado a lado com o estudo de física, lógica, gramática, moral e história. No último nível (o equivalente à faculdade), os estudan-tes deveriam se dedicar ao latim, gramática, dialética, retórica, filosofia, matemática, física e ética. Aqueles que estavam sendo preparados para ensinar na igreja, além destas matérias deveriam aprender grego e hebraico, pois em seu entendimento, este conhecimento deveria servir ao estudo e pregação de um Evangelho puro.
Melanchthon entendia que Cristo tinha colocado toda a cultura debaixo de Seu controle, acreditando que este entendimento impediria os cristãos de viverem vidas grosseiras, en-quanto, ao mesmo tempo, os impediam de atribuir mais importância à cultura humana do que à fé cristã. O estudo das letras estava sempre subordinado ao estudo das Escrituras Sa-gradas, mas ele disse: "Aplico-me a uma coisa, a defesa das letras. Convém que com o nos-so exemplo se inflame a mocidade de admiração pelas letras, e que as ame por amor delas, e não pelo proveito que delas possa tirar. A ruína das letras traz consigo a desolação de tudo o que é bom: a religião, os costumes, coisas divinas e coisas humanas. Quanto melhor é um homem, tanto maior é o ardor que tem por salvar as letras; porquanto sabe que das pestes a mais perniciosa é a ignorância. Uma escuridão terrível cairá em nossa sociedade, se o estu-do das ciências for negligenciado" . Este ensino abrangente tinha por objetivo tornar os cris-tãos ativos no mundo, dissipando as trevas de uma fé corrompida e supersticiosa e da igno-rância.
Melanchthon tem sido considerado o fundador do ensino controlado e sustentado pelo Es-tado, tendo tirado as escolas do controle privado. Pelo menos cinqüenta e seis cidades pro-curaram sua ajuda na reforma de suas escolas. Ele ajudou a reformar oito universidades e a fundar outras quatro. Escreveu numerosos livros didáticos para uso nas escolas e, mais tar-de, foi chamado o "Instrutor da Alemanha".
Na Alemanha, 1997 foi declarado o "ano de Melanchthon" por causa das celebrações do aniversário do nascimento deste grande reformador. As celebrações ocorreram sob o patro-cínio do governo federal alemão, e as festividades começaram com uma cerimônia realiza-da em 31 de outubro de 1996, na Igreja do Castelo, em Wittenberg.
3. JOÃO CALVINO
João Calvino foi um dos mais notáveis reformadores, e a ação social estava entre as suas principais preocupações. Ele tinha como princípio básico nesta área que em Cristo não há mais nem escravos nem livres, pois nosso Senhor aboliu todas as divisões de classes. Isso significa que o cristão vive a fé autêntica quando encontra seus irmãos numa fraternidade que exclui toda discriminação. Calvino jamais estabeleceu uma conexão entre riqueza ou pobreza e o favor ou desfavor de Deus em relação a indivíduos. Antes, ele entendeu a ri-queza e a pobreza como expressões do favor ou do julgamento de Deus sobre toda a comu-nidade, que então deveria redistribuir os seus recursos com vistas ao bem comum: "Por que é então que Deus permite a existência da pobreza aqui embaixo, a não ser porque ele deseja dar-nos ocasião para praticarmos o bem?"
André Biéler resume o pensamento do reformador: "Somos todos ricos em relação a al-guém. O rico tem uma missão econômica de providenciar ao mais pobre parte de sua rique-za, de tal maneira que o pobre deixa de ser pobre e ele mesmo deixe de ser rico". Esta i-gualdade pregada pelo reformador tem como objetivo levar os membros do corpo de Cristo à restauração social do mundo, uma vez que pela fé o crente em Cristo sendo restaurado à imagem de Deus, reconstitui suas relações com seu próximo. Calvino devolveu ao cristia-nismo a comunhão espiritual que Cristo estabelece entre os membros de seu corpo, fazendo com que estes supram as necessidades uns dos outros. Esta igualdade é da vontade de Deus. Conforme o reformador: "A vontade de Deus é que haja tal analogia e igualdade entre nós. Cada um socorra os indigentes na medida de suas possibilidades, a fim de que alguns não sofram necessidades enquanto outros têm em supérflua abundância".
A preocupação de Calvino de que a igreja tivesse esta prática fez com que ele recriasse o serviço diaconal. Mas ele sempre advertiu que todos os cristãos são responsáveis uns pelos outros. Genebra foi o primeiro lugar na Europa a ter leis especiais que proibiam: jogar fe-zes, urina e lixo nas ruas; fazer fogo ou usar fogão num cômodo sem chaminé; ter uma casa com sacadas ou escadas sem que as mesmas tenham grades de proteção; permitir que as parteiras deitem-se em suas camas com os bebês recém-nascidos (a lei visava proteger o nenê da contaminação); alugar uma casa sem o conhecimento da polícia; sendo comercian-te, cobrar além do preço permitido ou roubar no peso e também (e isso se estendia aos pro-dutores) , estocar mercadorias para fazê-la faltar no mercado e assim encarecê-la.
Calvino considerava os negócios como uma forma legítima de servir a Deus e de trabalhar para a sua glória. Ele via a circulação de dinheiro e os bens e serviços como uma forma concreta da comunhão dos santos, e defendia que aqueles que se envolviam nos negócios deveriam ter como objetivo ajudar os pobres e os ricos. Ele pensava que seria bom restaurar o ano do jubileu - uma redistribuição periódica da riqueza de modo que essa brecha nunca se tornasse permanente. Em um sermão, ele disse: "Deus mistura os ricos e os pobres para que eles possam encontrar-se e ter comunhão uns com os outros, de modo que os pobres recebam e os ricos repartam". Assim sendo, defendeu alguma intervenção por parte do go-verno para a proteção do bem comum, a fim que "os homens respirem, comam, bebam e mantenham-se aquecidos" (Institutas IV.20.3).
Os pastores em Genebra também intercediam diante do Conselho em favor dos pobres e dos operários. O próprio Calvino intercedeu várias vezes por aumentos de salários para os trabalhadores. Os pastores pregavam contra a especulação financeira, e fiscalizavam parci-almente os preços contra a alta provocada pelos monopólios. Debaixo da influência dos pastores, o Conselho limitou a jornada de trabalho dos operários. A vadiagem foi proibida por leis: os vagabundos estrangeiros que não tivessem meios de trabalhar deveriam deixar Genebra dentro de três dias após a sua chegada. E os vagabundos da cidade deveriam a-prender um ofício e trabalhar, sob pena de prisão. O Conselho instituiu cursos profissiona- lizantes para os vadios e os jovens, para que eles pudessem entrar no mercado de trabalho.
O pensamento social de Calvino pode ser resumido assim:
1) É necessário começar por saber qual a atitude que o Senhor deseja que tenhamos diante dos bens materiais: quais os meios lícitos de ganhá-los e qual o seu uso adequado e legítimo;2) Não devemos buscar os bens terrenos por cobiça. Se vivermos na pobreza, devemos suportá-la pacientemente; se tivermos riquezas, não devemos nos prender a elas nem confiar nelas, devendo estar dispostos a renunciá-las se isso convier a Deus. Tanto o possuir como o não possuir devem ser indiferentes e sem maior valor, considerando a bênção de Deus como maior do que todas as coisas, buscando o reino espiritual de Jesus Cristo sem nos envolvermos em ambições iníquas;3) Trabalhemos honestamente para ganhar a vida. Recebamos nossos lucros como vindos das mãos de Deus. Não usemos de má fé para nos apossarmos dos bens dos outros, mas sirvamos ao próximo com consciência limpa. Que o fruto de nosso trabalho seja o salário justo. Ao vender e ao comprar não usemos de fraude, astúcia ou mentira. Apliquemos ao nosso trabalho a mesma honestidade e lealdade que esperamos dos outros;4) Finalmente, quem nada possui não deixe de render graças a Deus e de comer seu pão com alegria. Quem muito possui não use de glutonaria, de luxo, de orgulho e de vaidade, gastando dinheiro com coisas supér-fluas; antes, seja em tudo moderado, e empregue seus bens em ajudar e socorrer o próximo, reconhecendo- se como quem recebeu seus bens de Deus e que deles há de um dia prestar contas. Devemos nos lembrar que o que tem em abundância use apenas o necessário para que o que nada tem não fique privado;5) Em resumo, assim como Jesus Cristo deu-se por nós, também comuniquemos ao próximo, com amor, as graças que recebemos, ajudando-o na sua pobreza e socorrendo-o na sua miséria. Isto é o que nos cabe fazer.
CONCLUSÃO
À luz do contexto econômico neoliberal e sua política de exclusão social precisamos nos perguntar em que sentido a teologia social dos reformadores poderia nos ajudar hoje, aqui e agora, no Brasil. Como decorrência de tal herança, a igreja evangélica (especialmente os reformados) deveria se envolver em todos estes aspectos da sociedade, usando os meios apropriados, lícitos e legais para protestar, advertir e resistir à injustiça social, usando a pregação da Palavra para chamar ao arrependimento os governantes corruptos, os ricos o-pressores e os pobres preguiçosos, e exercitando obras de misericórdia e assistência social através de uma diaconia treinada e motivada. Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão primordial da Igreja é promover a reforma (parcial e pro-visória) da sociedade através da proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra onde habita a plena justiça de Deus.
Que Deus nos dê coragem de viver pela mesma fé e de morrer pela fé evangélica. "Eterno Deus e Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, dá-nos o Teu Espírito Santo que escreve a Pala-vra pregada em nossos corações. Que nós possamos receber e crer no Teu Espírito para sermos regozijados e confortados por Ele na eternidade. Glorifica a Tua palavra em nossos corações e faz com que ela seja tão brilhante e quente que nós possamos achar prazer nela, através do Teu Espírito Santo, pensar o que é certo, e pelo Teu poder cumprir a Tua Palavra por amor de Jesus Cristo, Teu Filho, Nosso Senhor. Amém!" (Martinho Lutero).
* O autor é doutorando em teologia, professor de Teologia Sistemática e História da Igreja no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e na Escola de Pastores, ambos no Rio de Janeiro.
Fonte: http://textosdareforma.net/historia_e_biografias/Reforma_Protestante/cap4.shtml
Cada geração de cristãos deve ter o firme compromisso de basear sua fé somente na Palavra de Deus: "a igreja reformada deve estar sempre se reformando". Este é um dos importantes princípios formulados pelos reformadores do século XVI, e nos ensina que a igreja não deve ficar inventando novidades, mas pregar e ensinar tão somente o puro e claro evange-lho de Cristo. No dia 31 de outubro celebramos a data em que, em 1517, Martinho Lutero afixou na porta da Igreja do Castelo, em Wittemberg, suas famosas "95 Teses", começando a Reforma Protestante. Só que ela não se restringiu apenas à Alemanha. E seu impacto também não se restringiu às grandes questões teológicas que estavam sendo debatidas, mas buscou de igual forma responder aos grandes problemas sociais daquela época.
Alguns Eventos Importantes Desta ÉpocaPara esboçar a Reforma, podemos sugerir os seguintes como alguns dos eventos importantes:
1517: Lutero pregou as 95 teses na porta da Igreja Castelo.1520: Lutero publica três livros importantes: A Liberdade do Homem Cristão; O Cativeiro Babilônico da Igreja; e Uma Carta Aberta à Nobreza Cristã.1521: Excomunhão de Lutero; ele recusa negar suas crenças diante a Dieta de Worms; ele queima a bula do Papa.1522: Lutero, no exílio, faz uma tradução do Novo Testamento em Alemão, e, depois, volta para orientar a reforma em Wittemberg.1523: Sob a pregação de Zwinglio, a cidade de Zurique abraça a Reforma.1529: A Dieta de Spira declara a Reforma fora da lei; os príncipes evangélicos protestam (a origem do nome "protestantes" ).Lutero e Zwinglio encontram-se em Marburg, mas não concordam sobre a ceia do Senhor.1531: Zwinglio morreu na Guerra de Cappel.1534: Henrique VIII declara a si mesmo cabeça da Igreja da Inglaterra.1536: A primeira edição das Institutas da Religião Cristã de Calvino.1537: Menno Simmons é ordenado bispo anabatista.1541: Calvino começa a Reforma em Genebra.1545: O início do Concílio de Trento.1546: Morte de Lutero.1559: O Ato de Uniformidade na Inglaterra estabelece a Igreja Anglicana como uma via média entre o Catolicismo e o Calvinismo.Volta de John Knox para a Escócia.1564: Morte de Calvino.
1. MARTINHO LUTERO
Poucos se esforçaram mais que Martinho Lutero para diminuir o abismo entre a fé salvado-ra e a ação social. O desejo de agir em prol dos necessitados apareceu resumidamente nas "95 teses", onde Lutero argumentou que é melhor dar aos pobres e emprestar às necessita-das que comprar indulgências. Esta medida serviu para providenciar uma verba para o sus-tento dos pobres e ao mesmo tempo estimular o envolvimento da população na assistência social em Wittemberg.
A ênfase do entendimento social de Lutero era para que os necessitados fossem amparados. Para ele, o cristão justificado se torna livre para poder, através da fé, viver uma vida de serviço decorrente do amor a Deus. O crente justificado deve pensar como Lutero: "Me [entregarei] ao meu próximo como Cristo se ofereceu por mim; farei nada por meu próximo nesta vida senão o que reconheço como sendo necessário, edificador e saudável, porque pela fé gozo uma abundância de todas as coisas em Cristo". A ação social é decorrente de uma mudança baseada na liberdade da justificação pela graça por meio da fé. O resultado será um novo compromisso moral com a sociedade.
O exemplo que Lutero deixou é simples: o cristão deve viver uma vida onde seu amor por Deus seja espontâneo, não visando qualquer recompensa material ou espiritual, mas sim-plesmente com o objetivo de fazer a vontade de Deus, pois a vida cristã consiste "em tudo querer o que Deus quer, buscar a glória de Deus e nada desejar para si, pois é no cuidado pelos mais fracos e desamparados que Deus é glorificado" .
Prédica para que se mandem os filhos à escola (1530): "[O pregador atua] em favor das almas, livrando-as do pecado, da morte e do diabo. No entanto, ele também realiza tão-somente grandes e imponentes obras em favor do mundo: ensina e instrui todas as categorias sociais como se devem conduzir exteriormente em seus cargos e posições, para agirem com justiça perante Deus. Pode consolar os tristes, aconselhar, intermediar em casos de conflito, reconciliar consciências confusas, ajudar a manter a paz, a reconciliar, a viver em harmonia e inúmeras obras mais diariamente. Pois um pregador confirma, fortalece e ajuda a preservar a autoridade, toda a paz secular, resiste aos sediciosos, ensina obediência, bons costumes, disciplina e honra; instrui pai, mãe, filhos, empregados, em suma, a cada qual em sua função e estado secular. (...) Para dizer a verdade, a paz temporal (...) é, no fundo, um fruto do ministério da pregação". Debata com a classe o importante papel dos pregadores numa reforma teológica e social.
2. FILIPE MELANCHTHON
Um dos mais importantes amigos e colaboradores de Lutero foi Filipe Melanchthon. Este erudito lançou os fundamentos da escola elementar popular. O que guiava sua perspectiva do ensino era que "alguns não ensinam absolutamente nada das Sagradas Escrituras; alguns não ensinam às crianças nada além das Sagradas Escrituras; ambos os quais não se deve tolerar".
Em 1528, seus "Artigos de Visitação" para as escolas foram promulgados como lei na Sa-xônia, e sua obra como educador público passou a ser uma dimensão adicional em sua vida. Ele propôs a divisão dos estudantes em três classes, divididas em faixas etárias. Na primeira divisão, as crianças estudavam o alfabeto, a oração do Pai Nosso e o Credo dos Apóstolos. Na segunda divisão, eram estudados pelos adolescentes o Decálogo, o Credo e o Pai Nosso. Os Salmos mais fáceis (112, 34, 128, 125, 133) deveriam ser decorados, assim como deve-riam ser estudados o Evangelho de Mateus, as epístolas de Paulo a Timóteo, a primeira epístola de João e os Provérbios de Salomão. Tudo isto lado a lado com o estudo de física, lógica, gramática, moral e história. No último nível (o equivalente à faculdade), os estudan-tes deveriam se dedicar ao latim, gramática, dialética, retórica, filosofia, matemática, física e ética. Aqueles que estavam sendo preparados para ensinar na igreja, além destas matérias deveriam aprender grego e hebraico, pois em seu entendimento, este conhecimento deveria servir ao estudo e pregação de um Evangelho puro.
Melanchthon entendia que Cristo tinha colocado toda a cultura debaixo de Seu controle, acreditando que este entendimento impediria os cristãos de viverem vidas grosseiras, en-quanto, ao mesmo tempo, os impediam de atribuir mais importância à cultura humana do que à fé cristã. O estudo das letras estava sempre subordinado ao estudo das Escrituras Sa-gradas, mas ele disse: "Aplico-me a uma coisa, a defesa das letras. Convém que com o nos-so exemplo se inflame a mocidade de admiração pelas letras, e que as ame por amor delas, e não pelo proveito que delas possa tirar. A ruína das letras traz consigo a desolação de tudo o que é bom: a religião, os costumes, coisas divinas e coisas humanas. Quanto melhor é um homem, tanto maior é o ardor que tem por salvar as letras; porquanto sabe que das pestes a mais perniciosa é a ignorância. Uma escuridão terrível cairá em nossa sociedade, se o estu-do das ciências for negligenciado" . Este ensino abrangente tinha por objetivo tornar os cris-tãos ativos no mundo, dissipando as trevas de uma fé corrompida e supersticiosa e da igno-rância.
Melanchthon tem sido considerado o fundador do ensino controlado e sustentado pelo Es-tado, tendo tirado as escolas do controle privado. Pelo menos cinqüenta e seis cidades pro-curaram sua ajuda na reforma de suas escolas. Ele ajudou a reformar oito universidades e a fundar outras quatro. Escreveu numerosos livros didáticos para uso nas escolas e, mais tar-de, foi chamado o "Instrutor da Alemanha".
Na Alemanha, 1997 foi declarado o "ano de Melanchthon" por causa das celebrações do aniversário do nascimento deste grande reformador. As celebrações ocorreram sob o patro-cínio do governo federal alemão, e as festividades começaram com uma cerimônia realiza-da em 31 de outubro de 1996, na Igreja do Castelo, em Wittenberg.
3. JOÃO CALVINO
João Calvino foi um dos mais notáveis reformadores, e a ação social estava entre as suas principais preocupações. Ele tinha como princípio básico nesta área que em Cristo não há mais nem escravos nem livres, pois nosso Senhor aboliu todas as divisões de classes. Isso significa que o cristão vive a fé autêntica quando encontra seus irmãos numa fraternidade que exclui toda discriminação. Calvino jamais estabeleceu uma conexão entre riqueza ou pobreza e o favor ou desfavor de Deus em relação a indivíduos. Antes, ele entendeu a ri-queza e a pobreza como expressões do favor ou do julgamento de Deus sobre toda a comu-nidade, que então deveria redistribuir os seus recursos com vistas ao bem comum: "Por que é então que Deus permite a existência da pobreza aqui embaixo, a não ser porque ele deseja dar-nos ocasião para praticarmos o bem?"
André Biéler resume o pensamento do reformador: "Somos todos ricos em relação a al-guém. O rico tem uma missão econômica de providenciar ao mais pobre parte de sua rique-za, de tal maneira que o pobre deixa de ser pobre e ele mesmo deixe de ser rico". Esta i-gualdade pregada pelo reformador tem como objetivo levar os membros do corpo de Cristo à restauração social do mundo, uma vez que pela fé o crente em Cristo sendo restaurado à imagem de Deus, reconstitui suas relações com seu próximo. Calvino devolveu ao cristia-nismo a comunhão espiritual que Cristo estabelece entre os membros de seu corpo, fazendo com que estes supram as necessidades uns dos outros. Esta igualdade é da vontade de Deus. Conforme o reformador: "A vontade de Deus é que haja tal analogia e igualdade entre nós. Cada um socorra os indigentes na medida de suas possibilidades, a fim de que alguns não sofram necessidades enquanto outros têm em supérflua abundância".
A preocupação de Calvino de que a igreja tivesse esta prática fez com que ele recriasse o serviço diaconal. Mas ele sempre advertiu que todos os cristãos são responsáveis uns pelos outros. Genebra foi o primeiro lugar na Europa a ter leis especiais que proibiam: jogar fe-zes, urina e lixo nas ruas; fazer fogo ou usar fogão num cômodo sem chaminé; ter uma casa com sacadas ou escadas sem que as mesmas tenham grades de proteção; permitir que as parteiras deitem-se em suas camas com os bebês recém-nascidos (a lei visava proteger o nenê da contaminação); alugar uma casa sem o conhecimento da polícia; sendo comercian-te, cobrar além do preço permitido ou roubar no peso e também (e isso se estendia aos pro-dutores) , estocar mercadorias para fazê-la faltar no mercado e assim encarecê-la.
Calvino considerava os negócios como uma forma legítima de servir a Deus e de trabalhar para a sua glória. Ele via a circulação de dinheiro e os bens e serviços como uma forma concreta da comunhão dos santos, e defendia que aqueles que se envolviam nos negócios deveriam ter como objetivo ajudar os pobres e os ricos. Ele pensava que seria bom restaurar o ano do jubileu - uma redistribuição periódica da riqueza de modo que essa brecha nunca se tornasse permanente. Em um sermão, ele disse: "Deus mistura os ricos e os pobres para que eles possam encontrar-se e ter comunhão uns com os outros, de modo que os pobres recebam e os ricos repartam". Assim sendo, defendeu alguma intervenção por parte do go-verno para a proteção do bem comum, a fim que "os homens respirem, comam, bebam e mantenham-se aquecidos" (Institutas IV.20.3).
Os pastores em Genebra também intercediam diante do Conselho em favor dos pobres e dos operários. O próprio Calvino intercedeu várias vezes por aumentos de salários para os trabalhadores. Os pastores pregavam contra a especulação financeira, e fiscalizavam parci-almente os preços contra a alta provocada pelos monopólios. Debaixo da influência dos pastores, o Conselho limitou a jornada de trabalho dos operários. A vadiagem foi proibida por leis: os vagabundos estrangeiros que não tivessem meios de trabalhar deveriam deixar Genebra dentro de três dias após a sua chegada. E os vagabundos da cidade deveriam a-prender um ofício e trabalhar, sob pena de prisão. O Conselho instituiu cursos profissiona- lizantes para os vadios e os jovens, para que eles pudessem entrar no mercado de trabalho.
O pensamento social de Calvino pode ser resumido assim:
1) É necessário começar por saber qual a atitude que o Senhor deseja que tenhamos diante dos bens materiais: quais os meios lícitos de ganhá-los e qual o seu uso adequado e legítimo;2) Não devemos buscar os bens terrenos por cobiça. Se vivermos na pobreza, devemos suportá-la pacientemente; se tivermos riquezas, não devemos nos prender a elas nem confiar nelas, devendo estar dispostos a renunciá-las se isso convier a Deus. Tanto o possuir como o não possuir devem ser indiferentes e sem maior valor, considerando a bênção de Deus como maior do que todas as coisas, buscando o reino espiritual de Jesus Cristo sem nos envolvermos em ambições iníquas;3) Trabalhemos honestamente para ganhar a vida. Recebamos nossos lucros como vindos das mãos de Deus. Não usemos de má fé para nos apossarmos dos bens dos outros, mas sirvamos ao próximo com consciência limpa. Que o fruto de nosso trabalho seja o salário justo. Ao vender e ao comprar não usemos de fraude, astúcia ou mentira. Apliquemos ao nosso trabalho a mesma honestidade e lealdade que esperamos dos outros;4) Finalmente, quem nada possui não deixe de render graças a Deus e de comer seu pão com alegria. Quem muito possui não use de glutonaria, de luxo, de orgulho e de vaidade, gastando dinheiro com coisas supér-fluas; antes, seja em tudo moderado, e empregue seus bens em ajudar e socorrer o próximo, reconhecendo- se como quem recebeu seus bens de Deus e que deles há de um dia prestar contas. Devemos nos lembrar que o que tem em abundância use apenas o necessário para que o que nada tem não fique privado;5) Em resumo, assim como Jesus Cristo deu-se por nós, também comuniquemos ao próximo, com amor, as graças que recebemos, ajudando-o na sua pobreza e socorrendo-o na sua miséria. Isto é o que nos cabe fazer.
CONCLUSÃO
À luz do contexto econômico neoliberal e sua política de exclusão social precisamos nos perguntar em que sentido a teologia social dos reformadores poderia nos ajudar hoje, aqui e agora, no Brasil. Como decorrência de tal herança, a igreja evangélica (especialmente os reformados) deveria se envolver em todos estes aspectos da sociedade, usando os meios apropriados, lícitos e legais para protestar, advertir e resistir à injustiça social, usando a pregação da Palavra para chamar ao arrependimento os governantes corruptos, os ricos o-pressores e os pobres preguiçosos, e exercitando obras de misericórdia e assistência social através de uma diaconia treinada e motivada. Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão primordial da Igreja é promover a reforma (parcial e pro-visória) da sociedade através da proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra onde habita a plena justiça de Deus.
Que Deus nos dê coragem de viver pela mesma fé e de morrer pela fé evangélica. "Eterno Deus e Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, dá-nos o Teu Espírito Santo que escreve a Pala-vra pregada em nossos corações. Que nós possamos receber e crer no Teu Espírito para sermos regozijados e confortados por Ele na eternidade. Glorifica a Tua palavra em nossos corações e faz com que ela seja tão brilhante e quente que nós possamos achar prazer nela, através do Teu Espírito Santo, pensar o que é certo, e pelo Teu poder cumprir a Tua Palavra por amor de Jesus Cristo, Teu Filho, Nosso Senhor. Amém!" (Martinho Lutero).
* O autor é doutorando em teologia, professor de Teologia Sistemática e História da Igreja no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e na Escola de Pastores, ambos no Rio de Janeiro.
-- Márcio Melânia"Quanto ao mais, irmãos, regozijai-vos, sede perfeitos, sede consolados,sede de um mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco."(2 Coríntios 13 : 11)

A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO


A Doutrina da Predestinação Comentário do Texto de Romanos 8.29-30

John Stott



Primeiro há uma referência a aqueles que Deus de antemão conheceu. Essa alusão a "co-nhecer de antemão", isto é, saber alguma coisa antes que ela aconteça, tem levado muitos comentaristas, tanto antigos como contemporâneos, a concluir que Deus prevê quem irá crer e que essa presciência seria a base para a predestinação. Mas isso não pode estar certo, pelo menos por duas razões: 1) neste sentido Deus conhece todo mundo e todas as coisas de antemão, ao passo que Paulo está se referindo a um grupo específico; 2) se Deus predestina as pessoas porque elas haverão de crer, então a salvação depende de seus próprios méritos e não da misericórdia divina; Paulo, no entanto, coloca toda a sua ênfase na livre iniciativa da graça de Deus.Assim, outros comentaristas nos fazem lembrar que no hebraico o verbo "conhecer" expressa muito mais do que mera cognição intelectual; ele denota um relacionamento pessoal de cuidado e afeição. Portanto, se Deus "conhece" as pessoas, Ele sabe o que passa com elas (Sl 1.6; 144.3); e quando se diz que Ele "conhecia"os filhos de Israel no deserto, isto significa que ele cuidava e se preocupava com eles (Os 13.5). Na verdade Israel foi o único povo dentre todas as famílias da terra a quem Javé "conheceu", ou seja, amou, escolheu e estabeleceu com ele uma aliança (Am 3.2). O significado de "presciência" no Novo Testa-mento é similar: "Deus não rejeitou o seu povo [Israel], o qual de antemão conheceu", istao é, a quem Ele amou e escolheu (11.2 Cf. 1 Pe 1.2). À luz deste uso bíblico John Murray escreve: "'Conhecer' ... É usado em um sentido praticamente sinônimo de 'amar'...Portanto, 'aqueles que ele conheceu de antemão' ... é virtualmente equivalente a 'aqueles que ele a-mou de antemão'". Presciência é "amor peculiar e soberano". Isto se encaixa com a grande declaração de Moisés: "Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos que qualquer povo ... mas porque o Senhor vos amava ..." A única fonte de eleição e predestinação divina é o amor divino.Segundo, aqueles que [Deus] de antemão conheceu, ou que amou de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogê-nito entre muitos irmãos (29). O verbo predestinou é uma tradução de prooriz, que signifi-ca "decidiu de antemão", como se vê em Atos 4.28: "Fizeram o que o teu poder e tua von-tade haviam decido de antemão que acontecesse" . É, pois, evidente que o processo de tor-nar-se um cristão implica uma decisão; antes de ser nossa, porém, tem de ser uma decisão de Deus. Com isso não estmos negando o fato de que nós "nos decidimos por Cristo", e isso livremente; o que estamos afirmando é que, se o fizemos, é só porque, antes disso, Ele já havida "decidido por nós". Esta ênfase na decisão ou escolha soberana e graciosa de Deus é reforçada pelo vocabulário com o qual ela está associada. Por um lado, ela é atribuída ao "prazer" de Deus, a sua "vontade", "plano" e "propósito" (Ef 1.5, 9, 11; 3.11), e por outro lado, já existia "antes da criação do mundo"(Ef 1.4) ou "antes do princípio das eras"(1 Co 2.7; 2 Tm 1.9; cf. 1 Pe 1.20; Ap 13.8). C. J. Vaughan resume esta questão nas seguintes palavras: "Cada um que se salva no final só pode atribuir sua salvação, do primeiro ao último passo, ao favor e à ação de Deus. O mérito humano tem de ser excluído: e isto só pode acontecer voltando às origens do que foi feito e que se encontra muito além da obediência que evi-dencia a salvação, ou mesmo da fé que a ela é atribuída; ou seja, um ato de espontâneo favor da parte daquele Deus que antevê e pré-ordena desde a eternidade todas as suas obras.Este ensino não pode ser minimizado. Nem a Escritura nem a experiência nos autoriza fazê-lo. Se apelarmos para a Escritura, veremos que no decorrer de todo o Antigo Testamento se reconhece ser Israel 'a única nação da terra' a quem Deus decidiu 'resgatar para ser seu povo', escolhido para ser sua 'propriedade peculiar'; e em todo Novo Testamento se admi-te que os seres humanos são por natureza cegos, surdos e morto, de forma que sua conver-são é impossível, a menos que Deus lhes dê vista, audição e vida."Nossa experiência confirma isso. O Dr. J. I. Packer, em sua excelente obra O Evangelismo e a Soberania de Deus aponta que, mesmo que neguem isso, a verdade é que os cristãos crêem na soberania de Deus na salvação. "Dois fatos demonstram isso", ele escreve. "Em primeiro lugar, o crente agradece a Deus por sua conversão. Ora, por que o crente age as-sim? Porque sabe em seu coração que foi Deus inteiramente responsável por ela. O crente não se salvou a si mesmo; Deus o salvou. (...) Há um segundo modo pelo qual o crente re-conhece que Deus é soberano na salvação. O crente ora pela conversão de outros ... roga a Deus que opere neles tudo quanto for necessário para a salvação deles". Assim os nossos agradecimenos e a nossa intercessão provam que nós cremos na soberania divina. "Quando estamos de pé podemos apresentar argumentos sobre a questão; mas, postados de joelhos, todos concordamos implicitamente" .Mesmo asim há mistérios que permanecem. E, como criaturas caídas e finitas que somos, não nos cabe o direito de exigier explicações ao nosso Criador, que é perfeito e infinito. Não obstante, ele lançou luz sobre o nosso problema de tal maneira a contradizer as princi-pais objeções que são levantadas e a mostrar que a predestinação gera conseqüências bem diferentes do que se costuma supor. Vejamos cinco exemplos.1. Dizem que a predestinação gera arrogância, uma vez que (alega-se) os eleitos de Deus se gloriam de sua condição privilegiada. Mas acontece é justamente o contrário: a predestina-ção exclui a arrogância, pois afinal, não dá para entender como Deus pôde se compadecer de pecadores indignos como eles! Humilhados diante da cruz, eles só querem gastar o resto de suas vidas "para o louvor da sua gloriosa graça"e passar a eternidade adorando o Cordei-ro que foi morto.2. Dizem que a predestinação produz incerteza e que cria nas pessoas uma ansiedade neuró-tica quanto a serem ou não predestinadas e salvas. Mas não é bem assim. Quando se trata de incrédulos, eles nem se preocupam com a sua salvação - até que, e a não ser que, o Espí-rito Santo os convença do pecado, como um prelúdio para a sua conversão. Mas, se são crentes, mesmo que estejam passando por um período de dúvida, eles sabem que no final a sua única certeza consiste na eterna vontade predestinadora de Deus. Não há nada que pro-porcione mais segurança e conforto do que isso. Como escreveu Lutero ao comentar o ver-sículo 28, a predestinação "é uma coisa maravilhosamente doce para quem tem o Espírito" (Lutero).3. Dizem que a predestinação leva à apatia. Afinal, se a salvação depende inteiramente de Deus e não de nós, argumentam, então toda responsabilidade humana diante de Deus perde a razão de ser. Uma vez mais, isso não é verdade. A Escritura, ao enfatizar a soberania de Deus, deixa muito claro que isso não diminui em nada a nossa responsabilidade. Pelo con-trário, as duas estão lado a lado em um antinomia, que é uma aparente contadição entre duas verdades. Diferentemente de um paradoxo, uma antinomia "não é delieradamente pro-duzida; ela nos é imposta pelos próprios fatos ... Nós não a inventamos e não conseguimos explicá-la. Não há como nos livrar dela, a não ser que falsifiquemos os próprios fatos que nos levam a ela"(J. I. Packer). Um bom exemplo se encontra no ensino de Jesus quando declarou que "ninguém pode vir a mim, se o Pai ... não o atrair" (Jo 6.44) e que "vocês não querem vir a mim para terem vida" (Jo 5.40). Por que as pessoas não vão a Jesus? Será por-que não podem"Ou é porque não querem? A única resposta compatível com o próprio ensi-no de Jesus é: "Pelas duas razões, embora não consigamos conciliá-las" .4. Dizem que a predestinação produz complacência e gera antinomianos. Afinal, se Deus nos predestinou para a salvação, por que não podemos viver como nos agrada, sem restri-ções morais, e desafiar a lei divina? Paulo já respondeu esta questão no Capítulo 6. Aqueles que Deus escolheu e chamou, ele os uniu com Cristo em sua morte e ressurreição. E agora, mortos para o pecado, eles renasceram para viver para Deus. Paulo escreve também em outro lugar que "Deus nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença (Ef 1.4 cf. 2 Tm1.9). Ou melhor, ele nos predestinou para sermos conformes à imagem de seu Filho.5. Dizem que a predestinação deixa as pessoas bitoladas, pois os eleitos de Deus passam a viver voltados apenas para si mesmos. Mas o que acontece é o contrário. Deus chamou um único homem, Abraão, e sua família apenas, não para que somente eles fossem abençoados, mas para que através deles todas a famílias da terra pudessem ser abençoadas (Gn 12.1ss). Semelhantemente, a razão pela qual Deus escolheu seu Servo, a figura simbólica de Isaías que vemos cumprida parcialmente em Israel, mas especialmente em Cristo e em seu povo, não foi apenas para glorificar Israel, mas para trazer luz e justiça às nações (Is 40.1ss; 49.5ss). Na verdade estas promessas serviram de grande estímulo para Paulo quando ele, num ato de grande ousadia, decidiu ampliar sua visão evangelística para alcançar os genti-os. Assim, Deus fez de nós seu "povo exclusivo", não para nos tornarmos seus favoritos, mas para que fôssemos suas testemunhas, "para anunciar as grandezas daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz"(1 Pe 2.9ss).Portanto, a doutrina da predestinação divina promove humildade, não arrogância; segurança e não apreensão; responsabilidade e não apatia; santidade e não complacência; e missão, não privilégio. Isso não significa que não existam problemas, mas é uma indicação de que estes são mais intelectuais que pastorais.Coleção A Bíblia Fala Hoje - Romanos, John Stott, pp. 300-304.-- Márcio Melânia"Quanto ao mais, irmãos, regozijai-vos, sede perfeitos, sede consolados,sede de um mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco."(2 Coríntios 13 : 11)

"AMEI A JACÓ, E ABORRECI ESAÚ" (Rm.8:13)



JACÓ E ESAÚ
Por Charles H. Spurgeon


"Amei a Jacó, e aborreci Esaú" (Rm 8.13).


Não sou capaz de explicar os mistérios da predestinação de Deus. Não sei porque Deus escolheu certas pessoas para serem Seu povo antes dEle ter formado o mundo. O homem que pensa que compreende o propósito da predestinação de Deus demonstra que ele conhece bem pouco a esse respeito. A predestinação de Deus tem sido discutida desde os primeiros dias do cristianismo. Mas não é através de argumentação que entenderemos o profundo ensino de que Deus de fato escolheu um povo para Si.
Tentarei me ater ao ensino da Palavra de Deus. Erramos quando nos desviamos do que Deus ensina em Sua Palavra. Devemos crer no que Deus nos ensina. Não devemos acrescentar ao que Ele nos revelou em Sua Palavra. Quero explicar a grande doutrina da soberania de Deus, segundo as Escrituras. Posso fazer isso somente pela ajuda do Espírito Santo. Vou dizer-lhes o que a Bíblia ensina a respeito do fato de que Deus escolheu alguns para serem salvos e que Ele deixou outros para enfrentarem a punição de seus pecados. Encontramos este fato em nosso texto: "Amei Jacó, e aborreci Esaú".
Este é um texto assustador. Muitos não gostam da palavra "aborrecer" ou "odiar". Tais pessoas dizem que o significado desta palavra é "amar com menos intensidade" . A Bíblia usa a palavra "odiei". Eu também usarei essa palavra. Deus amava Jacó. Deus não amava Esaú. Deus abençoou Jacó. Ele não abençoou Esaú da mesma maneira. Deus escolheu Jacó e não escolheu Esaú. A misericórdia de Deus estava em Jacó. Deus permitiu que Esaú prosseguisse em seu caminho pecaminoso, e isso mostra que o texto "odiei Esaú" é verdadeiro.
Outras pessoas que não gostam deste texto dizem que ele não se refere a Jacó e Esaú. Essas pessoas, numa tentativa tola de se livrarem da dificuldade do texto, tentam dizer que o texto se refere aos filhos de Jacó e o povo de Esaú, aos filhos de Israel e aos filhos de Edom. A própria Bíblia mostra que isso não é correto. Romanos, capítulo 9, versículo 11-12 dizem: "Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme... o maior servirá o menor". Este versíuculo refere-se a Jacó e Esaú. Ele naõ refere às nações de Israel e Edom. O texto significa justamente o que diz: "Amei Jacó, e odiei Esaú". Não devemos tentar alterar a Palavra de Deus. Devemos aceitá-la como ele é e pedir a Deus que nos dê graça para entendê-la. Não podemos reduzir a verdade de Deus até nosso fraco entendimento. Devemos pedir a Deus que nos ajude a nos elevar mais e mais em nosso entendimento da verdade divina.
Primeiro, vou tentar provar a vocês que nosso texto quer dizer exatamente o que está escrito. Em seguida, tentarei responder à pergunta: "O que levou Deus a amar Jacó e a odiar Esaú"?
1. O ensinamento é que Deus elegeu a alguns e não elegeu a outros. As pessoas não gostam desta doutrina da eleição. Acaso não é um fato que Deus tem elegido a alguns? Perguntem a alguém que não goste desta doutrina porque um homem é convertido e outro não é convertido. Ele responderá que o Espírito Santo estava operando no coração do homem que se converteu. Portanto, até o homem que diz não gostar da doutrina da eleição admite que Deus trata certos homens de maneira diferente do que Ele trata com os outros. É uma fato que as pessoas são diferentes porque Deus as fez diferentes. Deus trata as pessoas de formas diferentes na vida diária. Ele faz um homem rico e outro pobre. Ele faz um homem inteligente e o outro incapaz de ler um livro. Eleição também é um fato. Em matéria de religião, Deus dá a um homem mais do que a outro. Ele dá a um a oportunidade de ouvir a Sua Palavra. A outro homem, Ele não dá essa oportunidade. Deus deu-me pais que me ensinaram sobre a a Sua Pessoa. Muitas pessoas não têm pais que as ensinem a respeito de Deus. Quando fiquei adulto, Deus me colocou em situação onde fui guardado do pecado. Outras pessoas são colocadas em locais onde existe muita tentação e elas pecam. Alguns ouvem a Palavra de Deus pregada poderosamente. Outros nem sequer ouvem a Palavra de Deus.
(i). Podemos ir mais longe ainda. Dois homens podem ouvir o evangelho. Deus opera no coração de um deles porém não opera no coração do outro. As pessoas que não crêem no evangelho quando o ouvem não têm desculpa. No entanto, Deus opera tão poderosamente nos corações de alguns que eles não podem resistir. Essas pessoas prostram-se aos pés de Deus e O chamam seu Salvador e Senhor. Elas crêem e são salvas pela graça de Deus. Entretanto, Deus é justo quando condena os homens incrédulos. É pecado rejeitar o evangelho de Deus. Estas coisas são fatos. temos que crer nos fatos. Uma verdade que não pode ser contestada deve ser acreditada. E o fato incontestável é que Deus trata diferencialmente a uns do que a outros. Não preciso pedir desculpas por Deus. Deus explicará Sua própria verdade e Seus caminhos. Mesmo se não gostarem do fato, é verdade inalterável que Deus amou Jacó e que não amou Esaú da mesma maneira.
(ii). Sugiro que leiam na Bíblia sobre a vida de Jacó. Vocês verão que Deus manifestou Seu amor por Jacó desde que deixou a casa do seu pai até o fim da sua vida. Jacó não tinha viajado muito longe após ter deixado sua casa quando começou a se sentir cansado. Ele deitou-se ao relento, repousando sua cabeça sobre uma pedra. Dormiu. Deus apareceu a ele em sonho enquanto dormia. Jacó viu uma escada. A parte inferior da escada estava apoiada na terra e o topo alcançava o céu. Anjos desciam e subiam pela escada. Jacó acordou e seguiu viagem até seu tio Labão. Labão tentou trapacear Jacó. Mas Deus estava com Jacó e não permitiu que Labão lhe fizesse mal. Deus fez com que Jacó ficasse rico enquanto que Labão tentou mantê-lo pobre. Deus disse a Labão em sonho que ele não tratasse Jacó injustamente. Ainda mais tarde, dois dos filhos de Jacó cometeram assasinato em Siquem. Jacó ficou com medo que o povo de Siquem tentasse matá-lo. "Não toqueis os meus ungidos, e aos meus profetas não façais mal" (1 Cr 16.22). Portanto o povo de Siquem não tivera permissão de matar Jacó.
Quando houve uma fome na nação e não havia mais comida, Deus enviou José, filho de Jacó, ao Egito. José foi capacitado a prover trigo ao seu pai e seus irmãos. Eles não morreram de fome. O fim da vida de Jacó foi feliz. "Ainda vive meu filho José; eu irei e o verei antes que morra" (Gn 45.28). Jacó já tinha perdido as esperanças de ver José. Lágrimas rolaram pelo seu velho rosto, quando ele abraçou José. E a Jacó foi concedido ver o Faraó, o poderoso rei do Egito. A Bíblia diz: "E Jacó abençoou a Faraó" (Gn 47.10). No final, Jacó morreu com toda sua família ao seu redor. Poderíamos duvidar que Deus amou Jacó?
Há ainda o fato de que Deus também não amou Esaú. Deus permitiu que Esaú se tornasse o pai de príncipes, contudo Ele não abençoou seus decendentes. Edom pereceu e nenhum descente de Esaú pode ser encontrado. O povo de Esaú, os edomitas, tornaram-se escravos do Egito. Os reis de Edom foram obrigados a dar lã a Salomão e aos reis de Israel que o sucederam. Finalmente, o nome de Esaú desapareceu dos livros de história. Isto prova mais uma vez que Deus de fato amou Jacó e que Ele não amou Esaú.
2. Tentarei responder a questão: "Porque Deus amou Jacó e odiou Esaú?" É melhor para nós analisarmos uma coisa de cada vez. Primeiro lhes direi porque Deus amou Jacó. Depois direi porque odiou Esaú. Muitos não entendem esta questão. Isto é porque essas pessoas tentam usar a mesma razão tanto para os eleitos como para os não eleitos. Não é possível usarmos o mesmo motivo para as duas coisas. Tomarei uma por vez. Iremos à Palavra de Deus para nos ensinar; assim não estaremos caindo em erro.
(i). Por que Deus amou Jacó? Vou à Palavra de Deus para responder a pergunta. Não foi porque havia algo de bom em Jacó que Deus o amou. A Bíblia nos diz em Romanos 9.11 que a razão de Deus ter amado Jacó foi a Sua graça soberana. Jacó não tinha nada em si que fizesse com que Deus o amasse. Havia de tudo em Jacó que poderia fazer com que Deus o odiasse tanto quanto Ele odiou Esaú. Foi a graça infinita de Deus que O fez escolher e amar Jacó. Examinemos que tipo de homem que era Jacó. Seu caráter não era bom. Estava sempre tentando ganhar vantagem numa barganha. Até em Betel, onde Deus o abençoou, Jacó barganhou. Vocês certamente se lembram o que aconteceu em Betel. Jacó deitou-se para dormir e teve uma visão de anjos subindo e descendo uma escada entre o céu e a terra. Quando acordou, ele disse: "Na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia" (Gn 28.16). Jacó teve e exclamou: "Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e este é a porta dos céus" (Gn 28.17). Deus lhe falou: "Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra, em que estás deitado ta darei a ti e à tua semente" (Gn 28.13). Nada falou sobre o que Jacó havia de fazer. Deus disse: "E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra..." (Gn 28.15). Deus falou face a face com Jacó. Contudo, mesmo após esta maravilhosa esperiência, Jacó tentou fazer barganha com Deus. Jacó disse: "Se Deus for comigo e me guardar nesta viagem que faço e me der pão para comer... o Senhor será o meu Deus" (Gn 28.20,21). Como pode um homem que teve tal visão e recebeu tais promessas querer barganhar com Deus? Será que Jacó estava com medo de que Deus não mantivesse Sua promessa?
(ii). A vida de Jacó com Labão foi muito infeliz. Tanto Jacó como Labão eram geniosos. Ao invés de confiar em Deus, Jacó usou de meios astuciosos para enriquecer-se. Nós nos sentimos incomodados quando lemos sobre a maneira que Jacó viveu e as coisas que ele fez. Então surge a mudança na vida de Jacó. Está escrito que ele lutou com Deus. Na realidade as Escrituras dizem que Deus lutou com Jacó. Jacó tinha deixado Labão e estava a caminho de casa. Ele temia encontrar seu irmão Esaú. Jacó devia ir na frente de sua família e encontrar seu irmão corajosamente, confiando que Deus o guardaria a salvo. Em vez disso, ele foi um covarde, e enviou outro na frente, para levar presentes a Esaú que estava vindo ao seu encontro. Ele em seguida enviou sua família na frente e ficou na retaguarda. Esaú era o irmão mais velho de Jacó. Deus havia dito: "O mais velho servirá o mais novo". Entretanto Jacó não deu crédito a essa promessa. À noite, Jacó foi ao ribeiro de Jaboque. Foi lá que Deus lutou com Jacó. "E Jacó porém ficou só; lutou com ele um varão, até que a alva subia" (Gn 32.24). Deus lutou corporalmente com Jacó para mostrar-lhe o quão pecador e enganador ele era. Jacó era tão forte que ele não pode ser derotado até que o anjo lhe tocou e ele ficou manco. Jacó sentiu então sua fraqueza; ele estava manco. Ele disse: "Não te deixarei ir, se me não abençoares" (Gn 32.26). Deus mostrara a Jacó que ele não tinha força própria. Jacó era agora um homem humilde. Deus o abençoou. Por isso Deus agora chamou-lhe de "Israel", que quer dizer "um príncipe de Deus". Mesmo após esta experiência havia muita incredulidade na vida de Jacó. Devemos olhar em nossas próprias vidas e perguntar a nós mesmos se somos melhores do que Jacó. Se somos duros com Jacó, devemos ser duros com nós mesmos. Jacó estava sempre querendo viver por vista, não confiando nas promessas de Deus. Somos nós como Jacó?
Se estou certo a respeito do tipo de pessoa que Jacó foi, não havia nada nele que fizesse com que Deus o amasse. A graça de Deus é a única razão porque Deus amou Jacó. "Deus compadece-se de quem quer" (Rm 9.18). A única razão pela qual podemos ser salvos é somente através da graça soberana de Deus. Deus é misericordioso e Sua vontade é toda-poderosa; portanto podemos ter esperança de salvação. Este ensinamento se encontra no relato sobre Jacó e em muitas outras passagens da Palavra de Deus. Segure firme este ensinamento e nunca o deixe escapar.
3. A próxima inquirição é: "Por que Deus odiou Esaú?" Esta é uma questão bem diferente da primeira. É necessário uma resposta bem diferente. Por que Deus odeia alguém? Todo homem merece ser odiado por Deus. Há pessoas que dizem que foi por causa da Sua soberania que Deus odiou Esaú. Não penso ser essa a resposta correta. Não penso que Deus criou o homem com a intenção de condená-lo. Não posso crer que isso seja verdade sobre o Deus cujas misericórdias duram para sempre. Se Deus trata severamente qualquer homem é porque este homem merece tal tratamento. Não haverá nenhuma alma no inferno que poderá dizer a Deus que Ele a tratou mais severamente do que merecia. Toda alma perdida irá culpar-se a is mesma. Ela saberá que foram suas próprias obras malígnas que a levaram ao inferno. É caso de justiça, se Deus tiver de condenar um homem.
(i). Observemos que tipo de homem era Esaú. Algumas pessoas perguntam se Esaú mereceu ser rejeitado. Sim, mereceu. O caráter de Esaú prova que ele mereceu a rejeição. Esaú perdeu seu direito de primogenitura. Ele vendeu por um guisado de lentilhas. Esaú não irá culpar Deus pela perda de sua primogenitura. Ele fez uma barganha com Jacó. Esaú vendeu sua primogenitura por espontânea vontade. Escolheu assim fazer. Ninguém o influenciou. Era também o desejo de Deus que Jacó tivesse a primogenitura. Mas se dissermos que Deus o influenciou, estamos dizendo que Ele fez com que Esaú pecasse. Nunca podemos dizer que Deus faz com que um homem peque. Todo o homem que perde o céu, como Esaú perdeu a primogenitura, abondona-o de livre vontade. Deus não recusa dar vida eterna ao homem. Pelo contrário, o homem não vai a Deus para que receba a vida eterna. O homem permanece pecador porque ele gosta mais do pecado do que das coisas de Deus. A culpa está com o homem e não com Deus. Você, amigo, é escravo do pecado, porém isso é porque não quer ficar livre do pecado que está gozando. Você nunca vai querer ficar livre do pecado até que Deus opere em seu coração. Quando Deus opera de fato em seu coração, então vai querer ser livre do pecado.
(ii). Alguém pode dizer: "Esaú se arrependeu". Sim, de fato. Mas com que tipo de arrependimento? Todo homem que verdadeiramente se arrepende e crê será salvo. Quando Esaú descobriu que tinha perdido a primogenitura, ele quis tê-la de volta. Ele pediu com lágrimas por sua primogenitura, todavia não a obteve de volta. Pensou que pudesse conseguí-la de volta de seu pai, ao preparar-lhe uma refeição. Pecadores dizem que, tendo perdido o céu devido à iniquidade própria, eles podem ganhá-lo novamente ficando pesarosos dos seus pecados e vivendo uma vida melhor. Mas Esaú não tinha como conseguir sua primogenitura de volta do seu pai, não importa o que fizesse. Pecadores não podem comprar seus passe para o céu simplismente desistindo de seus pecados. Eles só podem alcançar o céu mediante a livre graça de Deus.
Esaú não se arrependeu verdadeiramente. Ao saber que seu pai não daria de volta sua primogenitura, prometeu que quando seu pai morresse ele iria matar seu irmão Jacó. Assim ele teria sua primogenitura de volta. Esse não é o tipo de arrependimento que vem do Espírito Santo. Não obstante, muitos homens são assim. Eles dizem que sentem muito pelos seus pecados só porque seus pecados os fazem muito infelizes. Não se arrependeram verdadeiramente. Farão as mesmas coisas de novo! Este tipo de arrependimento deixa-os em seus pecados e agrava ainda mais a culpa que sentiam antes.
Reitero: Esaú não se arrependeu verdadeiramente. Não seria verdade, então, dizer que ele mereceu perder sua primogenitura? Não seria verdade que Esaú mereceu a ira de Deus? Nosso texto é extraído de Romanos, capítulo 9. No versículo 22 lemos "E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou" (Rm 9.22,23). Esta passagem não diz coisa alguma sobre Deus destinar homens à destruição. Os homens se preparam a si mesmos para a destruição. Deus nada tem a ver com isso. Quando os homens são salvos, é Deus que os destina à salvação. Toda a glória pela salvação de qualquer homem pertence a Deus. Toda a culpa pela condenação de qualquer homem pertence àquele homem.
No último grande dia todo mundo virá até Jesus para ser julgado. Os justos irão para o lado direito. Jesus dirá a eles: "Vinde, benditos, de meu Pai, possui por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo" (Mt 25.34). Para as pessoas à Sua esquerda, Jesus dirá: "... apartai-vos de mim, malditos" - Ele não dirá: "Vocês que são amaldiçoados pelo meu pai" - "para o fogo eterno, preparado (não para vocês, e sim) para o diabo e seus anjos" (Mt 25.41). A salvação é inteiramente de Deus. "Vinde, benditos de meu Pai". A eleição está embutida nessas expressões; livre graça está ai em toda sua extenção.
Porventura respondi a essas duas questões honestamente? Tentei dar razão bíblica para o procedimento de Deus com os homens. Deus salva os homens através de Sua graça; se os homens perecem é por sua própria falta. Estas são duas coisas diferentes.
(iii). Alguém me pergunta: como é que eu reconcilio estas doutrinas? Não tento reconciliar amigos. Estas duas doutrinas são amigas. Ambas são encontradas na Palavra de Deus. Estas verdade não são inimigas. Elas não precisam ser reconciliadas. Concordo que há coisas na Palavra de Deus que são difíceis de se entender. Até mesmo se eu não posso compreendê-las, ainda tenho que crer nas coisas escritas na Palavra de Deus. Não é questão de ter fé mais do que entendimento. Deus não Se contradiz, embora Ele ame a alguns e outros não.
Pecadores, se vocês perecerem, a culpa estará sobre suas cabeças. Suas consciências dizem isso. A Palavra de Deus confirma esta verdade. Vocês se destroem a si mesmos porque rejeitam Cristo. Se são salvos não é por causa de suas boas obras. Vocês só podem ser salvos pela livre e soberana graça de Deus. O evangelho que é pregado a vocês é este: "... Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e tua casa" (At 16.31).
Que graça seja dada a você, meu amigo, para obedecer este mandamento. Que você creia em Cristo, que veio ao mundo para salvar pecadores. Quem pode contar as glórias e as vitórias da livre graça de Deus? A graça disponível traz o esperto Jacó à glória. Esta graça leva muitos pecadores miseráveis e desobediente aos céus. Que Deus faça com que esta doutrina se torne realidade na sua vida. Peça ao Espírito Santo de Deus que o ensine.

Extraído do livro "Sermões Sobre a Salvação", Editora PES, p.p. 74-82 (com permissão).
-- Márcio Melânia"Quanto ao mais, irmãos, regozijai-vos, sede perfeitos, sede consolados,sede de um mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco."(2 Coríntios 13 : 11)

ACEITAR A JESUS!?


Por A. W. Tozer
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Nosso relacionamento com Cristo é uma questão de vida ou morte. O homem que conhece a Bíblia sabe que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores e que os homens são salvos apenas por Ele, sem qualquer influência por parte de quaisquer obras praticadas.
"O que devo fazer para ser salvo?", devemos aprender a resposta correta. Falhar neste ponto não envolve apenas arriscar nossas almas, mas garantir a saída eterna da face de Deus.
Os cristãos "evangelicais" fornecem três respostas a esta pergunta ansiosa: "Creia no Senhor Jesus Cristo", "Receba Cristo como seu Salvador pessoal" e "Aceite Cristo". Duas delas são extraídas quase literalmente das Escrituras (At 16:31; João 1:12), enquanto a terceira é uma espécie de paráfrase, resumindo as outras duas. Não se trata então de três, mas de uma só.
Por sermos espiritualmente preguiçosos, tendemos a gravitar na direção mais fácil a fim de esclarecer nossas questões religiosas, tanto para nós mesmos como para outros; assim sendo, a fórmula "Aceite Cristo" tornou-se uma panacéia de aplicação universal, e acredito que tem sido fatal para muitos. Embora um penitente ocasional responsável possa encontrar nela toda a instrução de precisa para ter um contato vivo com Cristo, temo que muitos façam uso dela como um atalho para a Terra Prometida, apenas para descobrir que ela os levou em vez disso a "uma terra de escuridão, tão negra quanto as próprias trevas; e da sombra da morte, sem qualquer ordem, e onde a luz é como a treva".
A dificuldade está em que a atitude "Aceite Cristo" está provavelmente errada. Ela mostra Cristo suplicando a nós, em lugar de nós a Ele. Ela faz com que Ele fique de pé, com o chapéu na mão, aguardando o nosso veredicto a respeito dEle, em vez de nos ajoelharmos com os corações contritos esperando que Ele nos julgue. Ela pode até permitir que aceitemos Cristo mediante um impulso mental ou emocional, sem qualquer dor, sem prejuízo de nosso ego e nenhuma inconveniência ao nosso estilo de vida normal.
Para esta maneira ineficaz de tratar de um assunto vital, podemos imaginar alguns paralelos; como se, por exemplo, Israel tivesse "aceito" no Egito o sangue da Páscoa, mas continuasse vivendo em cativeiro, ou o filho pródigo "aceitasse" o perdão do pai e continuasse entre os porcos no país distante. Não fica claro que se aceitar Cristo deve significar algo, é preciso que haja uma ação moral em harmonia com essa atitude?
Ao permitir que a expressão "Aceite Cristo" represente um esforço sincero para dizer em poucas palavras o que não poderia ser dito tão bem de outra forma, vejamos então o que queremos ou devemos indicar ao fazer uso dessa frase.
Aceitar Cristo é dar ensejo a uma ligeira ligação com a Pessoa de nosso Senhor Jesus, absolutamente única na experiência humana. Essa ligação é intelectual, volitiva e emocional. O crente acha-se intelectualmente convencido de que Jesus é tanto Senhor como Cristo; ele decidiu segui-lo a qualquer custo e seu coração logo está gozando da singular doçura de sua companhia.
Esta ligação é total, no sentido de que aceita alegremente Cristo por tudo que Ele é.
Não existe qualquer divisão covarde de posições, reconhecendo- o como Salvador hoje, e aguardando até amanhã para decidir quanto à Sua soberania.
O verdadeiro crente confessa Cristo como o seu Tudo em todos sem reservas. Ele inclui tudo de si mesmo, sem que qualquer parte de seu ser fique insensível diante da transação revolucionária.
Além disso, sua ligação com Cristo é toda-exclusiva. O Senhor torna-se para ele a atração única e exclusiva para sempre, e não apenas um entre vários interesses rivais. Ele segue a órbita de Cristo como a Terra a do Sol, mantido em servidão pelo magnetismo do seu afeto, extraindo dEle toda a sua vida, luz e calor. Nesta feliz condição são-lhe concedidos novos interesses, mas todos eles determinados pela sua relação com o Senhor.
O fato de aceitarmos Cristo desta maneira todo-inclusive e todo-exclusiva é um imperativo divino. A fé salta para Deus neste ponto mediante a Pessoa e a obra de Cristo, mas jamais separa a obra da Pessoa. Ele crê no Senhor Jesus Cristo, o Cristo abrangente, sem modificação ou reserva, e recebe e goza assim tudo o que Ele fez na sua obra de redenção, tudo o que está fazendo agora no céu a favor dos seus, e tudo o que opera neles e através deles.
Aceitar Cristo é conhecer o significado das palavras: "pois, segundo ele é, nós somos neste mundo" (1 João 4:17). Nós aceitamos os amigos dele como nossos, seus inimigos como inimigos nossos, sua cruz como a nossa cruz, sua vida como a nossa vida e seu futuro como o nosso.
Se é isto que queremos dizer quando aconselhamos alguém a aceitar a Cristo, será melhor explicar isso a ele, pois é possível que se envolva em profundas dificuldades espirituais caso não explanarmos o assunto.-- Márcio Melânia"Quanto ao mais, irmãos, regozijai-vos, sede perfeitos, sede consolados,sede de um mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco."(2 Coríntios 13 : 11)